The Grand Budapest Hotel (2014)

•março 16, 2014 • Leave a Comment

Veja o trailer aqui!

Título original: The Grand Budapest Hotel  brilliant-new-poster-arrives-for-the-grand-budapest-hotel-151538-a-1387438468-470-75

Origem: EUA / Alemanha

Diretor: Wes Anderson

Roteiro: Wes Anderson, Hugo Guiness, Stephan Zweig

Com: Ralph Fiennes, Willem Dafoe, Tilda Swinton, Bill Murray, Owen Wilson, F. Murray Abraham, Tony Revolori, Saoirse Ronan, Jude Law, Mathieu Amalric, Léa Seydoux

Há algum tempo que Wes Anderson vem encantando cinéfilos do mundo inteiro com seu estilo particular, que mistura o surreal e o real de maneira tão criativa e inteligente.

Desde seu primeiro longa-metragem Rushmore (1998) até seu maior sucesso de bilheteria, Moonrise Kingdom (2012) – leia a crítica aqui, o diretor texano vem incorporando a cada filme novas técnicas cinematográficas e consolidando, assim, seu estilo descontraído e leve de contar histórias.

Com cenários exóticos e artificiais, praticamente saídos de filmes de animação ou mesmo de livros de pop-up, travellings laterais, zooms apressados contrastados com planos fixos, além de cores fortes ou, ao contrário, bem desbotadas,  Anderson parece conseguir, com sua poética, conduzir o espectador a refletir sobre temas sensíveis e sérios de maneira bem humorada e despretensiosa.

Com um quase sempre quê de nostalgia e trabalhando muito sobre o tema “família”, um certo ar retrô paira sobre a obra do cineasta, que acaba por assim enaltecer uma beleza qualquer perdida lá atrás. O que não nos impede, no entanto, de apreciar e analisar o presente. Ao contrário. E desta vez, no seu mais recente The Grand Budapest Hotel, ele ainda acrescentou a História (com H maiúsculo) à sua ficção, adicionando realidade ao seu mundo fantasioso, em que nem o céu é o limite.

O resultado dessa nova experiência é um filme absolutamente encantador, divertido, inteligente, sensível e original, que, por meio de um olhar estético apurado e de um trabalho meticuloso de cineasta-artesão, analisa e critica um período dramático em nossa História.

Inspirado na obra do escritor austríaco Stephan Zweig, The Grand Budapest Hotel conta em flashback a história do concierge Monsieur Gustav H. (um Ralph Fiennes absolutamente espetacular) e de seu lobby-boy Zero Mustafa (o também excelente estreante Tony Revolori), um órfão, refugiado de guerra.

A trama se passa em um país fictício do leste europeu, Zubrowka, no fim dos anos 1930, época de ascensão do nazismo (aqui o SS foi substituído pelo ZZ), e tem como cenário principal o próprio Grand Budapest Hotel, um paraíso perdido no meio das montanhas geladas. É lá que Monsieur Gustav vive suas aventuras amorosas com damas “de certa idade”, oferecendo-lhes momentos de puro prazer, calor e alegria. Entre elas está a milionária Madame D, personagem octogenária de Tilda Swinton, que será assassinada logo no começo do filme, deixando-lhe de herança um quadro de grande valor, para desespero de sua família de urubus ávidos por dinheiro. Amedrontado pela reação dos familiares de sua amada e com o apoio total de seu fiel escudeiro Zero, ele decide roubar o quadro (que é seu) e escondê-lo no hotel.

A partir daí é dada a largada para uma história rocambolesca com traços hitchcockianos e, ainda com algumas pitadas de James Bond, como na fantástica sequência de perseguição de esqui, em que eles tentam alcançar o vilão-matador interpretado por Willem Dafoe. Um personagem frio, cruel, assustador, que quase não fala, mas age sem dó nem piedade.

O filme, aliás, reúne um elenco de primeira linha, em que, curiosamente, excelentes atores têm papéis pequenos, com poucas falas e poucas cenas, o grande show ficando mesmo a cargo de Ralph Fiennes com seu divertido, sensível, sofisticado e malandro de alma pura, Monsieur Gustav. Sua afeição pelo lobby-boy Zero é comovente e proporciona alguns momentos mais densos na história como os das duas sequências em que os guardas de fronteiras vêm checar os documentos dos passageiros no trem.

Com bom ritmo, boa trilha e excelente montagem, The Grand Budapest Hotel, representa um paraíso perdido no meio da guerra, um fiapo de esperança na raça humana, uma sátira que mostra-nos que, mesmo em um contexto de inimizades e de atrocidades, ainda é possível deixar florescer uma bela amizade, conservando a bondade no coração.

Um filme PRA SE DIVERTIR.

Álbum de Família (2013)

•março 8, 2014 • Leave a Comment

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Título original: August: Osage County   filme-album-de-familia-2013

Origem: EUA

Diretor: John Wells

Roteiro: Tracy Letts

Com: Meryl Streep, Julia Roberts,  Ewan McGregor, Juliette Lewis, Chris Cooper, Margo Martindale, Benedict Cumberbatch

Com um elenco de primeira grandeza, o segundo longa-metragem de John Wells tinha tudo para brilhar neste ano! Mas não…

Longo, cansativo, deprimente, Álbum de Família pesa nos ombros do espectador.

Também pudera, Tracy Letts – roteirista e também autor da peça em que o filme foi baseado – resolveu reunir todos os problemas do mundo em uma só família, não deixando escapar uma só alma!

Com isso, mesmo os diálogos, que são, aliás, muito bem escritos e que, vez por outra, arriscam até umas pitadas de humor (mórbido, claro!) acabam não conseguindo adoçar o sabor amargo que o filme nos deixa na boca.

A história se passa em Oaklahoma, no Condado de Osage, região perdida no meio do nada, inteiramente situada em território indígena,  precisamente na reserva denominada Nação Osage. Aliás, a questão indígena é bastante presente no filme, embora funcione mais como pano de fundo para os acertos de contas familiares do que propriamente como um tema a ser trabalhado. Uma pena! Talvez tivesse sido interessante um maior aprofundamento aí. Mesmo assim, certamente não foi por acaso, que uma das personagens mais equilibradas da história, talvez a mais dócil e menos amarga de todos, seja justamente a índia Cheyennes contratada para ajudar nos serviços da casa. Apesar de ouvir os maiores desaforos da parte de alguns membros da família, a jovem continua serena, fazendo seu trabalho sem queixas nem caras feias, numa enorme demonstração de superioridade (ou de subserviência). A refletir.

Voltando à trama:

Após o desaparecimento e subsequente morte do patriarca da família – Beverly Weston (Sam Shepard) – as filhas de Violet (Meryl Streep) se reencontram na velha casa de Osage, um casarão branco, quente e extremamente escuro em seu interior. Voluntariamente escuro, diga-se de passagem, já que no exterior, sol é o que não falta. Estamos em pleno mês de agosto, verão por aquelas bandas.

O contraste entre exterior/interior é algo de marcante no filme, com as cenas de exterior sempre ensolaradas, banhadas por uma luz amarela (às vezes alaranjada), enquanto que aquelas do interior são mergulhadas de uma escuridão claustrofóbica, que impede de enxergar bem as coisas. Escuridão que habita também o interior de cada personagem da história. Personagens sem sol.

Além das três filhas – Barbara (uma excelente Julia Roberts), Ivy (Julianne Nicholson) e Karen (Juliette Lewis) – e agregados, ainda há Mattie Fae, irmã de Violet, muito bem interpretada por Margo Martindale, seu marido Charlie (o também excelente Chris Cooper) e o filho deles Little Charlie (Benedict Cumberbatch).

Com a trupe completa, é hora do show. O casarão escuro vira, então, palco para um duelo sem-fim de línguas afiadas, para uma competição de maior quantidade de “f word” vomitadas, numa orgia de violência que ultrapassa um pouco (?) o limite do confortável. Violet e Barbara são as grandes adversárias, oferecendo-nos as cenas mais “quentes” do espetáculo, como a em que vemos Meryl Streep rolar no chão, atacada por Julia Roberts, captadas por uma câmera também violenta, nervosa, perdida, angustiada.

Tudo é interessante, bem dirigido, bem montado, bem encenado, no entanto, demasiado, “too much”, “trop”. O filme não precisava ser tão longo nem precisava de tantos problemas de naturezas distintas para que entendêssemos a origem de tanto sofrimento. Infância sofrida gera outras infâncias sofridas. Vidas atormentadas têm grande chance de gerar novas vidas atormentadas. As duas irmãs, Violet e Mattie Fae, tiveram uma infância pobre, sem grandes demonstrações de amor e com constantes assédios morais e físicos. Vivendo numa sociedade também doente, em que os brancos invadiram a terra dos índios, passando a discriminá-los, tratando-os com violência e desprezo, como poderiam ter gerado famílias saudáveis? Que escolhas tiveram?

A causa é nobre, sem dúvida, mas Tracy Letts e John Wells não precisavam ter reunido tantos problemas em uma só família, em um só filme. Ficou pesado demais, exagerado demais. E acabou por perder a força.

Ainda assim, acho que vale a pena assistir ao filme para ver algumas belas atuações, como a fantástica sequência de Meryl Streep (claro que tinha que ser ela!) na hora em que recebe a notícia da morte do marido. Excelente!

Um filme PRA SE ANGUSTIAR.

 

 

 

O Lobo de Wall Street (2013)

•fevereiro 22, 2014 • Leave a Comment

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Título original: The Wolf of Wall Street  poster-em-portugues-de-o-lobo-de-wall-street-1386880716364_956x500

Origem: EUA

Diretor: Martin Scorsese

Roteiro: Terence Winter, Jordan Belfort (livro)

Com: Leonardo DiCaprio, Jonah Hill, Matthew McConaughey, Margot Robbie, Jean Dujardin

Do alto de seus 71 anos, Martin Scorsese dá mais uma vez provas de sua jovialidade, originalidade e genialidade. Um monte de “dades” que, somadas, resultaram num filme absolutamente brilhante, tanto no conteúdo quanto na forma.

O Lobo de Wall Street é um filme inteligente, ousado, politicamente incorreto, repleto de sacadas de mestre e uma verdadeira mise en scène da sociedade de consumo prevista por Jean Baudrillard em seu A Sociedade do Consumo, publicado em 1970 e confirmada por seu Simulacros e Simulação, lançado no início dos anos 1980.

Ao contrário de ser uma apologia ao capitalismo selvagem, O Lobo de Wall Street é, na verdade, uma crítica severa à sociedade norte-americana (e a tantas outras que seguem o mesmo modelo), comandada pelo desejo cego de sucesso e poder.

A história, baseada no livro autobiográfico de Jordan Belfort, se passa no fim dos anos 1980, nos Estados Unidos, e relata a vida de um jovem de classe média ambicioso que, em função de seu enorme talento, inteligência e ousadia, vai parar em Wall Street, tornando-se em pouco tempo um milionário. Se ele consegue enriquecer apenas por meios lícitos? Óbvio que não. E o filme mostra isso sem nenhum pudor, censura ou hipocrisia.

Aliás, no livro, o verdadeiro Belfort não esconde tampouco seus atos ilícitos, nem sua falta de ética para conseguir alcançar seus objetivos, ou, como ele próprio prefere dizer, “sua visão”. Em entrevista a um repórter australiano, ele declarou, sem constrangimentos, que quem tem objetivos são os “pobres”, os de mentalidade pequena, os loosers. Os bem sucedidos, os que conseguem ficar ricos de verdade, esses têm “visão”.

Voltando ao filme.

Scorsese já começa em grande estilo, abrindo seu filme com um dos símbolos máximos da sociedade do consumo: a publicidade. Trata-se de um comercial da empresa de Jordan Belfort – Stratton Oakmont – que anuncia, desde o primeiro minuto, o universo a ser explorado pela trama. Universo do simulacro, do espetáculo, da retórica, da persuasão, do consumo desmedido, da falácia, da venda de sonhos e de ilusões. Que me desculpem meus colegas publicitários!

A imagem do leão, presente no logo da empresa, confunde-se com as vinhetas das produtoras e dos estúdios responsáveis pela realização do filme, fazendo-nos misturar o real com a ficção, a “fantasia” com a realidade. E essa integração (ou confusão), assim como o próprio modelo publicitário que será também utilizado como forma narrativa, vai continuar a ser explorada por Scorsese ao longo de todo o filme, numa perfeita alusão (e crítica) à sociedade do simulacro e do espetáculo.

Já bem no início, Jordan Belfort – um impecável Leonardo DiCaprio – olha bem dentro de nossos olhos (para câmera) para vender sua empresa e para, em seguida, narrar sua história, em primeira pessoa. Ele se dirige a cada um de nós, com todo o seu poder de persuasão, numa perfeita retórica, tal qual uma sereia lançando-nos seu canto. E vai, pouco a pouco, relatando todas as sujeiras por ele cometidas, mas sempre de maneira a tornar-nos seus cúmplices ou, ao menos, capazes de compreender seus atos, jogando com nossos instintos e fraquezas de seres humanos, assim como tenta fazer com o Agente do FBI na sequência do barco.

Travellings verticais, zooms super rápidos, imagens congeladas, slowmotion, fotos, um verdadeiro pot-pourri de movimentos de câmera e de texturas diferentes dão o dinamismo e o ritmo que esse filme  de 3 horas (2h59min para ser mais precisa) necessita para não se tornar enfadonho.

O elenco de O Lobo de Wall Street também ajuda, claro! DiCaprio parece estar vivendo seu esplendor, entregando-nos uma atuação perfeita, equilibrada, sem exageros ou traços caricatos. Ele está tão bem e tão natural que às vezes dá a sensação de que ele está vestido dele mesmo. Jonah Hill, que interpreta Donnie Azoff, sócio de Belfort, com seus dentões extra-brancos e com seu jeitão “almofadinha”, não deixou Scorsese na mão, atuando muitíssimo bem, formando assim uma bela dupla com o mil vezes nomeado DiCaprio. O francês Jean Dujardin, como banqueiro suíço, trouxe um lado cômico e leve à história. A aparição de Matthew McConaughey no começo do filme, embora curta, é marcante, mostrando a excelente fase por que passa o ator protagonista do também nomeado Clube de Compras Dallas (2013).

Muito sexo, muita droga, muito assédio moral, humilhações, chantagens, fraudes, operações ilegais, consumos desmedidos, tudo é hiperbólico na vida de Belfort. Um mundo de excessos que tem como único guia uma ganância sem limites, sem escrúpulos. Um mundo de exageros que podia ter feito Scorsese derrapar, “errar a mão”, fazendo um filme muito pesado ou com personagens muito caricatos.  Mas não, o diretor ítalo-americano mais uma vez deu-nos mostra de seu enorme talento, trazendo-nos, por certo, um universo megalômano, mas, ao mesmo tempo, um universo não tão “irreal” assim. Um mundo que percorre os sonhos e fantasias de muitos de nós, reles mortais, mesmo que não tenhamos coragem para assumir ou que nossa ética nos fale mais forte.

O Lobo de Wall Street é um daqueles filmes sobre os quais pode-se passar horas e horas escrevendo, tanto há para ser dito e discutido. Mas, infelizmente – ou felizmente para vocês – vou encerrar por aqui e deixar que vocês o vejam e tirem suas próprias conclusões.

Um filme PRA PENSAR e PRA SE DISTRAIR.

Trapaça (2013)

•fevereiro 16, 2014 • 1 Comment

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Título original: American Hustle  oscars-american-hustle-poster

Origem: EUA

Diretor: David O. Russell

Roteiro: Eric Warren Singer, David O. Russel

Com: Christian Bale, Amy Adams, Bradley Cooper, Jennifer Lawrence, Jeremy Renner

É, parece que a tendência do momento são mesmo as ficções baseadas em histórias reais, vide Philomena (2013), 12 Anos de Escravidão (2013), O Lobo de Wall Street (2013) e agora Trapaça (2013).

O último filme do diretor David O. Russel, concorrendo ao Oscar em nada menos do que 10 categorias, conta, assim, mais uma história baseada em fatos reais, revelando-nos, desta vez, uma operação organizada pelo FBI no fim dos anos 1970, nos EUA, que ficou conhecida por “caso Abscam”.

A trama se passa em Nova Jersey e mostra como se deu a operação dirigida por Richie DiMaso (Bradley Cooper), agente do FBI, para pegar em flagrante uma série de políticos que recebiam propina de empresários e mafiosos em troca de certos favores.  Para isso, ele decide se associar aos recém capturados trambiqueiros Irving Rosenfeld (Christian Bale) e Sidney Prosser (Amy Adams), que aceitam participar da operação em troca da diminuição de suas penas.

Com atmosfera e cenário bem diferentes daqueles visto no divertido e inteligente O Lado Bom da Vida (2012), mas com elenco que combina o desse filme somado àquele de O Vencedor (2010) – também dirigido por Russel -, Trapaça nos faz voltar no tempo, mergulhando-nos com todos os nossos sentidos nos anos 1970.

Música, cenário, figurino, penteados, maquiagem, iluminação, montagem, movimento de câmera, narração… tudo, tudo lembra os filmes dos anos setenta. Só que um pouco mais carregado do que no “original”, numa espécie de composição pós-moderna, de estética kitsch, rococó, caricata, bem humorada, em que vale quase tudo.

Assim sendo, embora bem divertido, leve e gostoso de assistir, este novo filme de Russell nos deixa com um gostinho de déjà-vu, não trazendo nada de original, nada de surpreendente, parecendo mais um cópia-e-cola dos filmes da geração “movie brats” (Scorsese, Coppola e companhia) surgida igualmente no fim dos anos 70 nos EUA.  Aliás, a homenagem a Scorsese é explícita, tanto nos movimentos de câmera, como na forma de apresentação dos personagens e, sobretudo, em uma participação especial, no meio do filme, que não vou aqui revelar…

O trabalho musical, com trilha sonora assinada por Danny Elfman também tem carinha de repeteco, mas não deixa de ser uma maravilha para os ouvidos dos fãs das músicas dos senventies.

O ponto alto de Trapaça é, sem dúvida, a atuação de seu elenco que, mesmo que em alguns casos beire o caricato, ainda assim é, de uma maneira geral, excelente. Christian Bale, Amy Adams, Jennifer Lawrence e Bradley Cooper formam um time de primeira grandeza. Um conjunto de estrelas que conseguiu brilhar ao mesmo tempo, num mesmo palco, sem uma ofuscar o talento da outra.

Em ano de Copa do Mundo, parece uma boa lição para ser aprendida.

Um filme PRA SE DIVERTIR.

12 Anos de Escravidão (2013)

•fevereiro 9, 2014 • Leave a Comment

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Título original: 12 Years a Slave  12-years-a-slave

Origem: EUA / Inglaterra

Diretor: Steve McQueen

Roteiro: John Ridley, Solomon Northup (livro)

Com: Chiwetel Ejiofor, Lupita Nyong’o, Michael Fassbender, Paul Dano, Brad Pitt, Sarah Paulson

Preparem os lenços! 12 Anos de Escravidão é de chorar. De chorar muito… Choro de revolta, de dor, de tristeza, de culpa e de vergonha de fazer parte de uma sociedade tão preconceituosa e ignorante.

E o pior é saber que a história aconteceu de verdade, que é real. Que outros homens e mulheres tiveram o mesmo destino e que tantos outros continuam até hoje a sofrer horrores de mesma estirpe.

O filme é baseado no livro 12 Years a Slave: Narrative of Solomon Northup, escrito pelo próprio protagonista e publicado em 1855.

A história se passa no norte dos Estados Unidos, no século 19, no período pré-guerra de Secessão, e conta a história de Solomon Northup, um negro nascido livre, que ganhava sua vida como músico, sustentando sua família com dignidade e tendo o respeito dos homens brancos da região.

A família Northup levava uma vida feliz e digna no estado de Nova Iorque, até o dia em que Solomon cai numa cilada. Convidado para participar de uma turnê de duas semanas em Washington DC,  ele é embriagado, raptado e vendido como escravo para fazendeiros do sul do país. Roubam-lhe todos os documentos, mudam-lhe a identidade e o violonista se torna Platt, escravo fugido da Georgia.

A partir daí veremos uma enxurrada de violências, de injustiças, de horrores por meio de planos longos, enquadrados por uma câmera estática que pacientemente vai nos mostrando, com um realismo inquietante, cenas de cortar o coração e de nos encher de revolta e vergonha. E Steven McQueen não nos poupa de nenhum detalhe. Ao contrário, mostra-nos, muitas vezes, em close mesmo, o rosto de dos personagens sendo torturados, ou das feridas indecentes que vão sendo abertas em seus corpos.

Ao contrário de Django Livre – que tratava do mesmo tema de escravidão e injustiças, apoiando-se na paródia e no humor – 12 Anos de Escravidão adota um tom mais sério, mais realístico, mais sisudo, o que faz a coisa toda ficar ainda mais pesada e mais dura de olhar. Os diálogos não são tão irreverentes nem irônicos quanto os do filme de Tarantino, mas são igualmente profundos e denunciadores de uma sociedade doente.

Com relação à estrutura narrativa, o filme de McQueen é bem mais acadêmico e convencional, optando por flashbacks que se intercalam com as cenas do presente, para assim nos contar a história. Os planos são bonitos, bem estudados, equilibrados e, de certa maneira, clássicos. As transições entre as sequências são muitas vezes feitas por meio de elementos da natureza – campos de algodão, mangues, céu, lagos, barcos, etc. – o que não é lá tão moderno, mas que acabam por obter um resultado bem bonito e interessante.

A trilha assinada por Hans Zimmer é absolutamente fantástica e contribui muito para  dar o tom de seriedade e de tragédia do filme. A cena em que Solomon/Platt se junta ao coro dos escravos, no enterro de um deles, é de arrepiar!

Quanto ao jogo de cena, o destaque vai para Chiwetel Ejiofor no papel de Solomon Northup, e para a estreante  Lupita Nyong’o, linda mulher que dá um show no papel da escrava preferida do Senhor Epps (aliás um Michael Fassbender impecável). Ambos são responsáveis por bons metros cúbicos de lágrimas derramadas…

Vencedor do Golden Globe de Melhor Filme (Drama) e com 9 indicações ao Oscar deste ano, o filme é certamente um forte candidato. Apenas duas razões pelas quais não daria a 12 Anos de Escravidão a estatueta de melhor filme:

1) Ritmo – Entendo e concordo que 12 anos de escravidão para quem vivia em liberdade (ou para qualquer pessoa) devem ter demorado muito tempo mesmo para passar, e concordo igualmente que uma das maneiras de passar isso para os espectadores seja justamente o ritmo lento da narração, mas, ainda assim, acho que o filme poderia ter se desenvolvido de forma mais dinâmica, mais ágil. Tive a sensação, vez por outra, que a história enganchava, que enrolava, que as coisas poderiam ter sido ditas e resolvidas um pouquinho mais rápido.

2) Final – A última sequência é extremamente escolar, tradicional, démodée e estraga o filme. Não, não precisávamos ver aquilo. A cena que antecede à última sequência era perfeita (e linda!) para encerrar essa história de dor e luta pela vida. Uma pena que Steven McQueen tenha deixado passar essa! Pisada de bola !

Um filme PRA PENSAR e PRA CHORAR.

Philomena (2013)

•fevereiro 2, 2014 • Leave a Comment

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Título original: Philomena   philomena-movie-banner-new

Origem: Inglaterra / EUA / França

Diretor : Stephen Frears

Roteiro : Steve Coogan, Jeff Pope, Martin Sixsmith

Com : Steve Coogan, Judy Dench, Sophie Kennedy Clark, Mare Winningham

Comecei o ano de 2014 escrevendo sobre um filme encantador, cheio de sutilezas, poesia e sensibilidades – o indiano The Lunchbox. Hoje, abro os trabalhos de fevereiro com um filme igualmente tocante, (talvez ainda mais por se tratar de uma história real), desta vez uma coprodução Inglaterra/França/EUA, que soube dosar com maestria humor e drama, sem nunca se deixar cair na armadilha da pieguice nem da lição de moral barata.

Lindo, sensível, inteligente, bem humorado e tocante!

Baseado no livro The Lost Child of Philomena Lee, escrito em 2009 pelo jornalista Martin Sixsmith, Philomena conta a história real de uma mãe-adolescente numa Irlanda católica dos anos 1950, expulsa de casa e enviada a um convento para assim encobrir sua própria existência e seu pecado.

O filho de Philomena nasce ali naquele ambiente de escravidão e de culpa, e vai ali crescendo até o dia em que, com apenas 3 anos de idade, será adotado (vendido) por uma família de americanos, sem que a jovem mãe tenha tido direito nem mesmo a um adeus!

Dali em diante, a ainda adolescente Philomena (interpretado quando adulta pela magnânima Judy Dench) seguirá seu destino de castigo e culpa, dividida entre o pecado do sexo antes do casamento (e com prazer) e o pecado da mentira mantida para preservar sua imagem e sua sobrevivência em uma sociedade extremamente conservadora e preconceituosa.

A dupla culpa-pecado é, aliás, o fio condutor desse filme brilhantemente roteirizado por Steve Coogan, que encarna também o papel do jornalista inglês Martin Sixsmith (super inglês indeed!), responsável por revelar para o mundo a história de Philomena, bem como de tantas outras mães-adolescentes irlandesas, depois de tê-la ajudado a descobrir o paradeiro do filho roubado.

Culpa e pecado incutidos por uma cultura regida pela Igreja Católica e que vão ser constantemente questionados ao longo do filme, sem, no entanto, tomar de fato nenhum partido, sem estabelecer nenhuma conclusão fechada. Ora concordamos com Sixsmith (no meu caso, muitas vezes) e com sua revolta contra os absurdos incutidos pelo catolicismo, ora compreendemos e respeitamos a fé quase cega que move Philomena. Entendemos, por exemplo, o espanto do jornalista com relação ao desejo de confissão de Philomena, em que ele agressivamente pergunta: Se confessar porque, pra que? Que pecados você tem pra confessar? Sugerindo, em seguida, que quem deveria se confessar era a própria Igreja que lhe tomara o filho, vendendo-o e sonegando informações sobre seu paradeiro. Ao mesmo tempo em que apreciamos e respeitamos o desejo de Philomena, admirando sua bondade, seu coração “largo” (como diz meu pai) e sua infinita capacidade de perdão. E essa liberdade de pensamento é fantástica no filme!

Fora a questão religiosa, temos também no filme de Frears, um confronto entre dois mundos bem distintos: de um lado, o jornalista sendo o típico inglês upper class, egresso de Oxford e morador de Knightsbridge, bairro super chique de Londres, frequentado pela fina flor (É lá que fica a Harrods, by the way!); e do outro lado, Philomena, enfermeira aposentada, representante típica da working class britânica. Gente que rala, que lê literatura cor-de-rosa e que se deslumbra com as ameneties de hotéis ou com o serviço de bordo de companhias aéreas que não sejam nem a  RyanAir nem a Easyjet. Um confronto que rende diálogos riquíssimos, cheios de humor inteligente, e que dão leveza à história densa e triste de Philomena.

Esse confronto entre dois mundos tão díspares, tantas vezes reproduzidos em filmes de diversas nacionalidades, ganha na versão de Frears, uma nova cara, bem mais leve, menos piegas, menos maniqueísta e bem menos moralista. O diretor de A Rainha (2006) nos presenteia, isso sim, com uma rica troca cultural, em que as diferenças fazem refletir, questionar, mas sem invadir o espaço uma da outra, sem tomarem um o lugar da outra.

Construído por inúmeros flashbacks de textura diferente, com imagens mais granuladas e com cores mais desbotadas do que as do presente, Philomena é também um filme esteticamente bem sucedido. Composto por belos closes que nos aproximam dos personagens, por uma paleta de cores com tons escuros e frios, capazes de nos colocar, assim, bem dentro dessa história que nos revolta, espanta e, ao mesmo tempo, encanta-nos enormemente.

Um filme PRA PENSAR e PRA SE ENCANTAR. Concorrendo ao Oscar de Melhor Filme, Melhor Roteiro Adaptado, Melhor Trilha Sonora Original. E Judy Dench, claro, ao de Melhor Atriz.

Vidas ao Vento (2013)

•janeiro 24, 2014 • Leave a Comment

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Título original: Kaze Tachinu  le vent se leve

Origem: Japão

Diretor: Hayao Miyazaki

Roteiro: Hayo Miyazaki

Com as vozes de: Nos EUA – Joseph Gordon-Levitt, Emily Blunt, Stantey Tucci,

Lembro-me até hoje da primeira vez que assisti a um filme de Hayao Miyazaki… A Viagem de Chihiro (2001). Aquilo para mim foi um choque! Levava meu filho pequeno para ver a um filme de animação, e meus olhos ocidentais bem formados e treinados pela filmografia Disney, não podiam acreditar em tamanha “viagem”! Em tamanha “loucura”! Pensava comigo: como pode alguém fazer um filme destes para crianças? Um filme tão complexo e difícil de digerir que criança alguma vai entender ou se divertir com isso!

Hoje chego a envergonhar-me de tamanha ignorância! Mas o fato é que foi exatamente assim que me senti, foram esses os pensamentos que passaram por minha cabecinha tão fechada às novidades! Ainda não estava preparada para embarcar naquela “viagem”, na fantasia, na beleza e na poesia dos filmes do grande mestre da animação japonesa!

Precisei ver alguns outros de seus filmes, estudar um pouco sobre sua obra e, mais importante, precisei abrir mais meus olhos redondos (e meu coração) para entender a profundidade e a beleza do mundo que Miyazaki nos apresenta a cada um de seus filmes.

Da fase “que viagem é essa?” passei hoje à “que linda viagem essa!” Tornei-me sua fã, sua admiradora, colecionando seus filmes, comprando livros sobre sua obra e ainda (podem rir!) usando uma carteira decorada de Totoro (seu personagem mais famoso).

Assim sendo, não sem ansiedade fui assistir ao seu último filme, Vidas ao Vento,  já realizado durante sua “aposentadoria” (há tempos Miyazaki – 73 anos – se diz aposentado e promete que está fazendo seu último filme…) e saí da sala de cinema embriagada por tanta beleza e poesia!

Não só os desenhos são absolutamente sublimes (alguns planos de paisagens são verdadeiras telas impressionistas), mas os diálogos, a trama, a música, tudo, tudo é lindíssimo! E, desta vez, a poesia é central, crucial, sendo o poema O Cemitério Marinho, de Paul Valéry,  o leitmotif do filme.

“Ergue-se o vento!… Há que tentar viver!”

E desta feita, Miyazaki foi buscar na realidade a fonte de inspiração para seu filme. A história se passa no Japão do período entre guerras, um país em crise, pobre, sem acesso à tecnologia de ponta, e que ainda sofre com as intempéries da natureza, terremotos e incêndios. Ele nos conta a vida (real) de Jiro Horikoshi, engenheiro japonês que desenhou o avião-caça Zero, usado na II Guerra Mundial, inclusive no famoso ataque a Pearl Harbor.

O Horikoshi de Miyazaki é um engenheiro aeronáutico sonhador, idealista, perfeccionista, workaholic, que, por não ter vista boa, desistiu ainda menino de seu sonho de ser piloto, realizando-se, assim, na construção de máquinas capazes de voar tão rápido e alto como as que seu ídolo italiano Caproni sabia fazer.

(Aqui vale um parêntese: os Estúdios Ghibli, de propriedade de Miyazaki, têm esse nome em homenagem ao avião italiano Caproni Ca.309, também usado na II Guerra Mundial, e apelidado de Ghibli, palavra que em árabe significa siroco, o vento do deserto.)

O filme, aliás, é cheio de referências autobiográficas: o pai de Miyazaki trabalhava na Mitsubishi, justamente fabricando peças para os aviões-caça Zero, master piece do talentoso Horikoshi. Sua mãe era tuberculosa, e a personagem feminina por quem o protagonista vai se apaixonar – Naoko – também sofre desta mesma doença.

O romance entre Harikoshi e Naoko percorre, aliás, todo o filme, numa espécie de mundo paralelo, onde há lugar para felicidade, para passeios nas verdes relvas e rios de águas transparente, sob lindo céu azul. Ele traz uma certa leveza para essa história vivida em meio às guerras, apesar de seu anunciado trágico fim.

Mas não se enganem, o filme não é tão naïf assim (diga-se de passagem, é muito mais dirigido ao público adulto do que ao infantil)! A história das guerras está ali bem representada. Alemanha, Itália, Japão, Estados Unidos… todos aparecem no filme. Todos (con)correndo para criar a melhor arma, o avião mais possante, o mais destrutivo. Uma corrida rumo ao inferno da guerra, com direito a frases do tipo “Os japoneses não são bem-vindos aqui!”, quando Horikoshi e seu colega engenheiro são enviados para Alemanha para aprender com os ases da engenharia aeronáutica. Ou ainda, mais adiante no filme, com referências explícitas às estratégias desastrosas de Hitler, em um encontro com um refugiado alemão antinazista.

Assim, alegrias e tristezas, cores vivas e cores desbotadas, claros e escuros, conquistas e derrotas, e sobretudo, realidade e sonho vão se alternando e se misturando nessa narrativa, numa convivência tão harmoniosa, como se uns fizessem parte dos outros, constituindo um todo inseparável que é a vida. (E não é assim que funciona mesmo?)

O vento é aqui o protagonista. É ele o responsável pelos momentos mágicos – como o primeiro encontro de Horikoshi com sua amada, no trem para a capital, em que seu chapéu voa e é recuperado pela menina – e é ele também o vento forte que espalha o fogo do incêndio que atinge Tóquio, que piora a saúde da jovem esposa, que traz a tempestade, obstáculo contra o qual Horikoshi tem que lutar constantemente, tendo que se manter firme, ereto a fim de não cair nem se deixar levar.

“Ergue-se o vento!… Há que tentar viver!”

Os diálogos mais bonitos ficam por conta da visitas que Caproni faz ao jovem japonês em seus sonhos. Lá, nesse lugar especial, onde tudo é possível, eles discutem suas criações, suas paixões, falam de suas ambições, de seus desejos, de seus sonhos. E nessa rica troca, os dois engenheiros concordam que aviões não foram feitos para a guerra, que não são armas, mas sim máquinas de sonhos. E que o papel do engenheiro é justamente o de transformar esses sonhos em realidade. E para isso deve seguir sempre sua inspiração. A tecnologia, segundo ele, virá como consequência.

Nascido em plena II Guerra Mundial, Miyazaki foi criticado por alguns por ter feito um filme sobre o homem que inventou um avião de guerra, uma arma que pôs fim a tantas vidas. O diretor se defendeu, dizendo que a ideia do filme surgiu quando ele assistia a uma entrevista com o próprio Horikoshi, em que ele declarava que tudo o que queria era fazer algo bonito!

É, nem sempre os ventos nos levam aonde queremos chegar! Mas, independente do destino, é preciso saber se manter ereto e forte para continuar vivendo.

“Ergue-se o vento!… Há que tentar viver!”

Vidas ao Vento é um filme PRA SE ENCANTAR. Estreia prevista para fim de fevereiro aí no Brasil. Não percam!

 

 

 

 

 

 

Yves Saint Laurent (2014)

•janeiro 18, 2014 • 2 Comments

Veja o trailer aqui!

Título original: Yves Saint Laurent  affiche-Yves-Saint-Laurent_le-film_2014

Origem: França

Diretor: Jalil Lespert

Roteiro: Jalil Lespert, Marie-Pierre Huster, Jacques Fieschi, Laurence Benaïm (livro)

Com: Pierre Niney, Guillaume Gallienne, Charlotte Le Bon, Laura Smet, Nikolai Kinski

Muito já se falou e já se escreveu sobre a vida e a obra do genial Yves Saint-Laurent. Mas a fonte parece ainda não ter se esgotado… Dono de um talento sem limites, o estilista franco-argelino (nasceu na Argélia, na época da possessão francesa) parece ainda inspirar muitos escritores e diretores, que insistem em esmiuçar e divulgar sua vida e sua carreira.

Pelo menos três documentários já foram feitos – Yves Saint Laurent, le temps retrouvé (2002), Yves Saint Laurent, tout terriblement (2009), L’amour fou (2010) -, alguns livros escritos e agora, em 2014, saem dois biopics sobre a vida do famoso estilista e designer, repetindo, aliás, um histórico duelo entre diretores que lançam simultaneamente obras semelhantes. Coisa não incomum na história do cinema (Lembram-se dos recentes Coco Antes de Chanel e Coco Chanel & Igor Stravinsky, ambos lançados em 2009?).

E desta vez, a versão que saiu na frente foi a de Jalil Lespert, lançada nesta semana na França e na Suíça, e que conta com o aval e “benção” de seu companheiro de vida e empresário, Pierre Bergé, que, aliás, liberou para o filme alguns modelos (vestidos) e desenhos originais, objetos pessoais, incluindo os óculos usados por YSL, além de ter aberto as portas da casa deles no Marrocos e da Fundação Pierre Bergé – Yves Saint Laurent.

Baseado na biografia escrita por Laurence Benaïm em 2002 e estrelado pelos atores Pierre Niney (no papel de YSL) e Guillaume Gallienne (Pierre Bergé), ambos da Comédie-Française (teatro estatal francês e único a ter uma trupe permanente), o filme não foi muito bem recebido pela “chatíssima” crítica francesa, que insistiu em dizer que ele não explora o brilhantismo do profissional que foi Saint Laurent, ainda dizendo que a direção de Lespert teria sido comum, tendo como resultado um filme “para televisão”.

Discordo enormemente dos que assim enxergaram o filme. Na minha visão, o filme de Lespert é justamente o que chamo de bem equilibrado, uma espécie de panorama da obra e vida de Saint Laurent, do tipo que nos abre janelas para um eventual aprofundamento. Ele nem explora só a vida pessoal do estilista – embora seja este de fato o fio condutor do filme -, nem se atém exclusivamente à sua vida profissional, seu brilhantismo ou sua carreira, sabendo, portanto,  conciliar ambos os aspectos, incluindo ainda a questão política (Guerra da Argélia), o que dá ao filme mais profundidade e riqueza.

Com relação à direção “sem graça” observada pelos críticos franceses, é verdade que o filme não apresenta grandes inovações, sendo contado de forma clássica, em flash-back pela própria voz de Pierre Bergé. O que não diminui em nada suas beleza e qualidade. Aliás, por falar em beleza, plasticamente, também gostei muito de Yves Saint Laurent (o filme). As cores são bonitas, sóbrias, clássicas, os planos são bem pensados, equilibrados, elegantes, às vezes lembrando quadros bem pintados, e a música… ah, a música é lindíssima!

Tudo isso sem falar no ponto alto, ou altíssimo, do filme que são as interpretações sem falhas dos dois protagonistas. Pierre Niney, ator de apenas 24 anos, dá um verdadeiro show na pele do frágil, depressivo, genial e tímido YSL. Ele parece um bibelô, pálido, esquálido, prestes a ser quebrado a qualquer instante. Figura que contrasta enormemente com a solidez de Pierre Bergé, também brilhantemente interpretado por Guillaume Gallienne, que soube passar com muita propriedade e sutileza as emoções daquele que foi o porto seguro, a âncora e o prumo de Saint Laurent. Algumas cenas me marcaram bastante, entre elas a hora da separação, quando YSL sai de casa, batendo a porta depois de tê-lo xingado e dito coisas terríveis e tudo o que ele faz é ficar de pé junto à parede, contendo sua emoção, com seus lábios cerrados, tremendo, seus olhos marejados… De arrepiar!

Não entendo então porque os chatos dos críticos franceses resolveram atacar esse primeiro biopic de Yves Saint Laurent com tanto fervor, já que, ao meu ver, cada diretor tem o direito (e quase o dever) de escolher que viés vai utilizar em  seu filme, que aspectos vai querer explorar, o que vai ressaltar ou omitir. Afinal de contas não é exatamente (e também) este o trabalho de um diretor?

Vamos aguardar para ver como vai ser a recepção do Saint Laurent (2014), de Bertrand Bonnello, previsto para sair em outubro aqui na Europa.

Enquanto isso, recomendo Yves Saint Laurent. Um filme PRA SE DISTRAIR e PRA APRENDER.

The Lunchbox (2013)

•janeiro 13, 2014 • Leave a Comment

Veja o trailer aqui!

Título original: Dabba  the-lunch-box-post_1382509176

Origem: India / França / Alemanha

Diretor: Ritesh Batra

Roteiro: Ritesh Batra, Rutvik Oza

Com: Irrfan Khan, Nimrat Kaur, Nawazuddin Siddiqui, Lillete Dubey

Sensível, poético, envolvente e encantador!

The Lunchbox é um “feel good movie” que nos põe pra pensar sobre a vida, sobre o passar do tempo e sobre nossos relacionamentos, e que termina por encher nossas almas de coisas boas!

O filme, primeiro longa metragem do diretor indiano Ritesh Batra, representante da chamada Nouvelle Vague Indiana, foi exibido na Semana da Crítica de Cannes 2013, encantando os críticos e jornalistas e arrebatando o prêmio Rail d’Or.

A história se passa na Bombaim de hoje, ou melhor, em Mumbai. Mas, esqueça os estereótipos e o excesso de cores com que nossos olhos ocidentais costumam pintar a India.  Nada daqueles cenários magnificamente exóticos, com templos saídos de contos ou fábulas, cheirando a temperos coloridos, com som de músicas bollywoodianas que acabam por distrair-nos da essência do filme.

Ritesh Batra mostra uma Mumbai de verdade, com suas cores reais de classe trabalhadora, meio desbotadas pela poluição e pela superpopulação. Ele mostra a vida dessa gente que rala, que acorda bem cedo para pegar trens lotados para ir e depois voltar de seus empregos; crianças indo para escola em seus uniformes herdados da colonização inglesa, símbolo de uma organização imposta, que contrasta com a bagunça do veículo que as transporta; e suas mães / esposas que ficam em casa, vestidas em seus saris, cuidando da roupa, da limpeza e da comida de toda a família. Ele nos mostra uma India que, mesmo em pleno século 21, em sua maior e mais importante cidade, ainda guarda tantos costumes do passado, como o da entrega das marmitas – dabba – com comida feita em casa. E, mais do que isso, ele nos expõe de maneira brilhante ao trabalho dos dabbawallah – entregadores de marmitas – figura tradicional da cultura indiana e peça fundamental nesta “linha de montagem” perfeita , ou quase , que é o sistema de entrega de marmitas utilizado em Mumbai.

E, aliás, vai ser sobre esta “quase-perfeição” que a história vai girar. Exatamente sobre as consequências do dia em que o sistema “perfeito” falhou!

Todo dia, depois que marido e filha saem respectivamente para o trabalho e para escola, Ila (Nimrat Kaur) termina de cozinhar o almoço de seu marido. O dabbawallah passa então para pegar a dabba (marmita) para leva-la até o trabalho do rapaz. Acontece que um belo dia, a marmita de seu marido vai parar nas mãos da pessoa errada. Quem come a comida preparada por Ila é Saajan Fernandes (Irrfan Khan), um funcionário público rabugento, viúvo, que está prestes a se aposentar. E o solitário contador fica encantado com o novo sabor de sua comida.

E neste dia de exceção,  nós, espectadores, seguimos o caminho dessa dabba, que é, neste filme, praticamente transformada em personagem. Seguimos seu trajeto desde a hora em que a comida é colocada dentro dela até a hora em que chega ao destinatário.

Ila, por sua vez, percebe que a marmita foi entregue para pessoa errada, e resolve mandar um bilhetinho explicando a situação. No segundo dia, o Sr. Fernandes responde também com um bilhetinho dizendo que a comida estava boa, porém, sem sal. E a partir daí os dois começam a trocar bilhetes, que são transportados pelo dabbawallah, que ignora completamente seu papel de pombo correio, assim como o próprio erro na entrega.

No começo, o conteúdo das cartas é apenas gastronômico… pouco sal, muita pimenta, preferências por tais ou tais vegetais, etc. Porém, pouco-a-pouco, os dois desconhecidos começam a compartilhar também seus sentimentos e suas solidões.  E devagarinho vão se afeiçoando um ao outro, sem nunca terem se visto, sem nunca terem dividido ao menos mesmo uma única cena. Neste aspecto The Lunchbox me lembrou Mary e Max (2009) – sublime animação australiana em que uma menina da Austrália se corresponde por cartas com um portador da síndrome de Asperger – sendo que o filme indiano é, obviamente, bem mais leve e menos trágico. Afinal de contas, comecei o texto falando que era um “feel good movie”, não é mesmo?

Batra trabalha muito com a questão presença/não-presença em seu filme, tanto pelo fato dos protagonistas não compartilharem os mesmos planos, como também por nos apresentar uma personagem, a vizinha de Ila – a “Auntie” – sua conselheira e única amiga, que tampouco aparece na tela, estando sempre hors-champ (fora do campo). Uma figura que não ganha cara nem corpo para nós espectadores, mas que, ao mesmo tempo está super presente na vida da protagonista. Sem dúvida, uma alusão às pessoas que muitas vezes estão tão perto de nós fisicamente, mas tão distantes em seus espíritos. Enquanto que outros que não estão lá “em carne e osso”, podem ser tão presentes e importantes em nosso dia-a-dia ou em momentos importantes de nossas vidas.

The Lunchbox é assim um filme delicado, sutil,  sensível, nostálgico e altamente poético. Esteticamente não apresenta nada de novo. Ao contrário, é bastante simples em sua forma, deixando o conteúdo ganhar todo o espaço. São os diálogos – ou os textos trocados nas cartas – os olhares, as reflexões feitas, os pequenos gestos, que fazem do filme um grande filme. Assim como são justamente essas “tantas coisinhas miúdas” que fazem a vida da gente ser grande e valer a pena.

Um filme PRA SE ENCANTAR. Totalmente recomendado!

 

 

 

 

All Is Lost (2013)

•dezembro 18, 2013 • Leave a Comment

Veja o trailer aqui!

Título original: All is lost all-is-lost-movie-poster-featured

Origem: EUA

Diretor: J. C. Chandor

Roteiro: J. C. Chandor

Com: Robert Redford

Parece que o existencialismo e a economia de elenco são a nova onda das produções americanas, sejam elas saídas de grandes estúdios ou vindas diretamente de estúdios independentes, como é o caso de All is lost.

O fato é que, por enquanto, a coisa parece que está dando certo!

Depois de Gravidade, (leia o post aqui) que contava com um elenco super enxuto – basicamente George Clooney e Sandra Bullock, sendo que mais da metade do filme ficou por conta da atriz sozinha em cena – e colocava a protagonista diante de uma morte iminente, agora é a vez de Robert Redford tomar conta de todo um filme e deparar com seu fim.

A diferença é que no caso de All is lost, Redford não divide “o palco” com ninguém, em nenhum momento. Trata-se de um verdadeiro “one man show”! E o septuagenário de olhos azuis e pele bastante enrugada, dá conta do recado direitinho, presenteando-nos com uma interpretação sóbria, equilibrada, sem exageros, absolutamente excelente! E olha que nem com palavras ele conta para dividir a cena, já que o filme é totalmente isento de diálogos, exibindo apenas algumas pouquíssimas falas: uma carta lida no início, algumas tentativas de contato via rádio, dois gritos de socorro espremidos da garganta e alguns poucos palavrões cuspidos ao vento. Mais nada. A interpretação fica, assim, por conta das expressões faciais e do gestual do ator.

E para salientar essa mímica tão importante no filme, J. C. Chandor usa e abusa dos closes e do foco, deixando Redford bem próximo de nós, privilegiando assim uma ou outra parte de seu corpo com o foco. Fora isso, a trilha sonora discreta, bonita e bastante eficaz também tem papel fundamental na transmissão das emoções presentes nessa obra quase sem palavras.

Quanto à trama, impossível não pensar em Gravidade, já que o tema é exatamente o mesmo: a luta pela sobrevivência, carregada de reflexões existencialista provocadas pela iminência da morte.

A diferença é que, desta vez, o espaço foi substituído pelo oceano e os pensamentos do protagonista não foram compartilhados (em forma de palavras) com os espectadores. A imensidão, no entanto, é a mesma, e a angústia e o desespero que ela traz também.

All is lost conta a história de um homem maduro – personagem sem nome, que aparece nos créditos do filme como “our man” – que, passando uma temporada sozinho no mar (Oceano Índico), sofre um acidente. Seu veleiro bate em um container perdido por algum cargueiro e fica avariado, deixando entrar água por um buraco aberto durante a colisão.

A partir daí, uma série de intempéries vão fazer a vida do “nosso homem” balançar entre o lado de cá e o de lá…

Falando em balanço, em algumas cenas, a câmera mexe muito, gira, vira tudo de pernas pro ar, podendo dar um pouco de náuseas em alguns espectadores mais sensíveis!

Assim, entre lindos pores-do-sol e terríveis tempestades, entre mar sereno e tubarões famintos, esse personagem sem nome e sem história – não sabemos nada de seu passado nem das razões por ele estar ali sozinho naquele barco – vai lutando com todas as forças (física e mental) para continuar vivo. E nós, espectadores, acompanhamo-lo nesse desafio. Sofremos com ele, lutamos com ele e temos esperança por ele. “Our man” pode ser qualquer um de nós. E o filme pode ser uma grande metáfora da luta pela vida.

Os barcos de carga que passam por “nosso homem” e ignoram seu pedido de socorro na imensidão do oceano podem muito bem ser encarados, por exemplo, como “os grandes” que não são capazes de atrasar em nenhum segundo sua viagem para ajudar “os pequenos”… (Entendam isso como quiserem!)

E, curiosamente (ou não), o container que fura o veleiro do “nosso homem” é chinês, levando além-mar um cardume de sapatos idênticos, produzidos, muito provavelmente, às custas de terríveis condições de trabalho.

Seria uma crítica direta ao trabalho desumano a que estão submetidos esses chineses da classe operária ou simplesmente uma cutucada do tio Sam nesse gigante do oriente que teima em querer roubar o trono do todo-poderoso do ocidente? Ou será que estou vendo coisa onde não tem??!!!

Vale lembrar que em Gravidade, em um registro obviamente bem diferente, a China também tem “participação especial”, quer seja por meio da nave que Sandra Bullock usa no fim, quer seja pelo único contato que ela consegue com a Terra, via rádio, em que uma canção de ninar cantada em chinês lhe traz a paz para encarar a morte com serenidade.

Enfim, há muito o que pensar sobre este filme, muito o que tirar dali, muito o que refletir sobre a vida, sobre a morte e sobre a situação atual do mundo com seus tubarões gigantes lutando pelo poder.

All is lost, segundo filme de J. C. Chandor, não é um filme WOW como Gravidade, já que não conta com tantos efeitos especiais, nem com a tecnologia 3D, muito menos com o mesmo budget da última obra de Cuarón, não tendo, portanto, aquele jeitão de “simulador da Disney”. Mas, sem sombra de dúvidas, é um filme que acrescentaria à minha lista de melhores do ano de 2013.

Um filme PRA PENSAR. Absolutamente recomendado!

 
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