The Lunchbox (2013)
Origem: India / França / Alemanha
Diretor: Ritesh Batra
Roteiro: Ritesh Batra, Rutvik Oza
Com: Irrfan Khan, Nimrat Kaur, Nawazuddin Siddiqui, Lillete Dubey
Sensível, poético, envolvente e encantador!
The Lunchbox é um “feel good movie” que nos põe pra pensar sobre a vida, sobre o passar do tempo e sobre nossos relacionamentos, e que termina por encher nossas almas de coisas boas!
O filme, primeiro longa metragem do diretor indiano Ritesh Batra, representante da chamada Nouvelle Vague Indiana, foi exibido na Semana da Crítica de Cannes 2013, encantando os críticos e jornalistas e arrebatando o prêmio Rail d’Or.
A história se passa na Bombaim de hoje, ou melhor, em Mumbai. Mas, esqueça os estereótipos e o excesso de cores com que nossos olhos ocidentais costumam pintar a India. Nada daqueles cenários magnificamente exóticos, com templos saídos de contos ou fábulas, cheirando a temperos coloridos, com som de músicas bollywoodianas que acabam por distrair-nos da essência do filme.
Ritesh Batra mostra uma Mumbai de verdade, com suas cores reais de classe trabalhadora, meio desbotadas pela poluição e pela superpopulação. Ele mostra a vida dessa gente que rala, que acorda bem cedo para pegar trens lotados para ir e depois voltar de seus empregos; crianças indo para escola em seus uniformes herdados da colonização inglesa, símbolo de uma organização imposta, que contrasta com a bagunça do veículo que as transporta; e suas mães / esposas que ficam em casa, vestidas em seus saris, cuidando da roupa, da limpeza e da comida de toda a família. Ele nos mostra uma India que, mesmo em pleno século 21, em sua maior e mais importante cidade, ainda guarda tantos costumes do passado, como o da entrega das marmitas – dabba – com comida feita em casa. E, mais do que isso, ele nos expõe de maneira brilhante ao trabalho dos dabbawallah – entregadores de marmitas – figura tradicional da cultura indiana e peça fundamental nesta “linha de montagem” perfeita , ou quase , que é o sistema de entrega de marmitas utilizado em Mumbai.
E, aliás, vai ser sobre esta “quase-perfeição” que a história vai girar. Exatamente sobre as consequências do dia em que o sistema “perfeito” falhou!
Todo dia, depois que marido e filha saem respectivamente para o trabalho e para escola, Ila (Nimrat Kaur) termina de cozinhar o almoço de seu marido. O dabbawallah passa então para pegar a dabba (marmita) para leva-la até o trabalho do rapaz. Acontece que um belo dia, a marmita de seu marido vai parar nas mãos da pessoa errada. Quem come a comida preparada por Ila é Saajan Fernandes (Irrfan Khan), um funcionário público rabugento, viúvo, que está prestes a se aposentar. E o solitário contador fica encantado com o novo sabor de sua comida.
E neste dia de exceção, nós, espectadores, seguimos o caminho dessa dabba, que é, neste filme, praticamente transformada em personagem. Seguimos seu trajeto desde a hora em que a comida é colocada dentro dela até a hora em que chega ao destinatário.
Ila, por sua vez, percebe que a marmita foi entregue para pessoa errada, e resolve mandar um bilhetinho explicando a situação. No segundo dia, o Sr. Fernandes responde também com um bilhetinho dizendo que a comida estava boa, porém, sem sal. E a partir daí os dois começam a trocar bilhetes, que são transportados pelo dabbawallah, que ignora completamente seu papel de pombo correio, assim como o próprio erro na entrega.
No começo, o conteúdo das cartas é apenas gastronômico… pouco sal, muita pimenta, preferências por tais ou tais vegetais, etc. Porém, pouco-a-pouco, os dois desconhecidos começam a compartilhar também seus sentimentos e suas solidões. E devagarinho vão se afeiçoando um ao outro, sem nunca terem se visto, sem nunca terem dividido ao menos mesmo uma única cena. Neste aspecto The Lunchbox me lembrou Mary e Max (2009) – sublime animação australiana em que uma menina da Austrália se corresponde por cartas com um portador da síndrome de Asperger – sendo que o filme indiano é, obviamente, bem mais leve e menos trágico. Afinal de contas, comecei o texto falando que era um “feel good movie”, não é mesmo?
Batra trabalha muito com a questão presença/não-presença em seu filme, tanto pelo fato dos protagonistas não compartilharem os mesmos planos, como também por nos apresentar uma personagem, a vizinha de Ila – a “Auntie” – sua conselheira e única amiga, que tampouco aparece na tela, estando sempre hors-champ (fora do campo). Uma figura que não ganha cara nem corpo para nós espectadores, mas que, ao mesmo tempo está super presente na vida da protagonista. Sem dúvida, uma alusão às pessoas que muitas vezes estão tão perto de nós fisicamente, mas tão distantes em seus espíritos. Enquanto que outros que não estão lá “em carne e osso”, podem ser tão presentes e importantes em nosso dia-a-dia ou em momentos importantes de nossas vidas.
The Lunchbox é assim um filme delicado, sutil, sensível, nostálgico e altamente poético. Esteticamente não apresenta nada de novo. Ao contrário, é bastante simples em sua forma, deixando o conteúdo ganhar todo o espaço. São os diálogos – ou os textos trocados nas cartas – os olhares, as reflexões feitas, os pequenos gestos, que fazem do filme um grande filme. Assim como são justamente essas “tantas coisinhas miúdas” que fazem a vida da gente ser grande e valer a pena.
Um filme PRA SE ENCANTAR. Totalmente recomendado!