Vidas ao Vento (2013)

Veja o trailer aqui!

Título original: Kaze Tachinu  le vent se leve

Origem: Japão

Diretor: Hayao Miyazaki

Roteiro: Hayo Miyazaki

Com as vozes de: Nos EUA – Joseph Gordon-Levitt, Emily Blunt, Stantey Tucci,

Lembro-me até hoje da primeira vez que assisti a um filme de Hayao Miyazaki… A Viagem de Chihiro (2001). Aquilo para mim foi um choque! Levava meu filho pequeno para ver a um filme de animação, e meus olhos ocidentais bem formados e treinados pela filmografia Disney, não podiam acreditar em tamanha “viagem”! Em tamanha “loucura”! Pensava comigo: como pode alguém fazer um filme destes para crianças? Um filme tão complexo e difícil de digerir que criança alguma vai entender ou se divertir com isso!

Hoje chego a envergonhar-me de tamanha ignorância! Mas o fato é que foi exatamente assim que me senti, foram esses os pensamentos que passaram por minha cabecinha tão fechada às novidades! Ainda não estava preparada para embarcar naquela “viagem”, na fantasia, na beleza e na poesia dos filmes do grande mestre da animação japonesa!

Precisei ver alguns outros de seus filmes, estudar um pouco sobre sua obra e, mais importante, precisei abrir mais meus olhos redondos (e meu coração) para entender a profundidade e a beleza do mundo que Miyazaki nos apresenta a cada um de seus filmes.

Da fase “que viagem é essa?” passei hoje à “que linda viagem essa!” Tornei-me sua fã, sua admiradora, colecionando seus filmes, comprando livros sobre sua obra e ainda (podem rir!) usando uma carteira decorada de Totoro (seu personagem mais famoso).

Assim sendo, não sem ansiedade fui assistir ao seu último filme, Vidas ao Vento,  já realizado durante sua “aposentadoria” (há tempos Miyazaki – 73 anos – se diz aposentado e promete que está fazendo seu último filme…) e saí da sala de cinema embriagada por tanta beleza e poesia!

Não só os desenhos são absolutamente sublimes (alguns planos de paisagens são verdadeiras telas impressionistas), mas os diálogos, a trama, a música, tudo, tudo é lindíssimo! E, desta vez, a poesia é central, crucial, sendo o poema O Cemitério Marinho, de Paul Valéry,  o leitmotif do filme.

“Ergue-se o vento!… Há que tentar viver!”

E desta feita, Miyazaki foi buscar na realidade a fonte de inspiração para seu filme. A história se passa no Japão do período entre guerras, um país em crise, pobre, sem acesso à tecnologia de ponta, e que ainda sofre com as intempéries da natureza, terremotos e incêndios. Ele nos conta a vida (real) de Jiro Horikoshi, engenheiro japonês que desenhou o avião-caça Zero, usado na II Guerra Mundial, inclusive no famoso ataque a Pearl Harbor.

O Horikoshi de Miyazaki é um engenheiro aeronáutico sonhador, idealista, perfeccionista, workaholic, que, por não ter vista boa, desistiu ainda menino de seu sonho de ser piloto, realizando-se, assim, na construção de máquinas capazes de voar tão rápido e alto como as que seu ídolo italiano Caproni sabia fazer.

(Aqui vale um parêntese: os Estúdios Ghibli, de propriedade de Miyazaki, têm esse nome em homenagem ao avião italiano Caproni Ca.309, também usado na II Guerra Mundial, e apelidado de Ghibli, palavra que em árabe significa siroco, o vento do deserto.)

O filme, aliás, é cheio de referências autobiográficas: o pai de Miyazaki trabalhava na Mitsubishi, justamente fabricando peças para os aviões-caça Zero, master piece do talentoso Horikoshi. Sua mãe era tuberculosa, e a personagem feminina por quem o protagonista vai se apaixonar – Naoko – também sofre desta mesma doença.

O romance entre Harikoshi e Naoko percorre, aliás, todo o filme, numa espécie de mundo paralelo, onde há lugar para felicidade, para passeios nas verdes relvas e rios de águas transparente, sob lindo céu azul. Ele traz uma certa leveza para essa história vivida em meio às guerras, apesar de seu anunciado trágico fim.

Mas não se enganem, o filme não é tão naïf assim (diga-se de passagem, é muito mais dirigido ao público adulto do que ao infantil)! A história das guerras está ali bem representada. Alemanha, Itália, Japão, Estados Unidos… todos aparecem no filme. Todos (con)correndo para criar a melhor arma, o avião mais possante, o mais destrutivo. Uma corrida rumo ao inferno da guerra, com direito a frases do tipo “Os japoneses não são bem-vindos aqui!”, quando Horikoshi e seu colega engenheiro são enviados para Alemanha para aprender com os ases da engenharia aeronáutica. Ou ainda, mais adiante no filme, com referências explícitas às estratégias desastrosas de Hitler, em um encontro com um refugiado alemão antinazista.

Assim, alegrias e tristezas, cores vivas e cores desbotadas, claros e escuros, conquistas e derrotas, e sobretudo, realidade e sonho vão se alternando e se misturando nessa narrativa, numa convivência tão harmoniosa, como se uns fizessem parte dos outros, constituindo um todo inseparável que é a vida. (E não é assim que funciona mesmo?)

O vento é aqui o protagonista. É ele o responsável pelos momentos mágicos – como o primeiro encontro de Horikoshi com sua amada, no trem para a capital, em que seu chapéu voa e é recuperado pela menina – e é ele também o vento forte que espalha o fogo do incêndio que atinge Tóquio, que piora a saúde da jovem esposa, que traz a tempestade, obstáculo contra o qual Horikoshi tem que lutar constantemente, tendo que se manter firme, ereto a fim de não cair nem se deixar levar.

“Ergue-se o vento!… Há que tentar viver!”

Os diálogos mais bonitos ficam por conta da visitas que Caproni faz ao jovem japonês em seus sonhos. Lá, nesse lugar especial, onde tudo é possível, eles discutem suas criações, suas paixões, falam de suas ambições, de seus desejos, de seus sonhos. E nessa rica troca, os dois engenheiros concordam que aviões não foram feitos para a guerra, que não são armas, mas sim máquinas de sonhos. E que o papel do engenheiro é justamente o de transformar esses sonhos em realidade. E para isso deve seguir sempre sua inspiração. A tecnologia, segundo ele, virá como consequência.

Nascido em plena II Guerra Mundial, Miyazaki foi criticado por alguns por ter feito um filme sobre o homem que inventou um avião de guerra, uma arma que pôs fim a tantas vidas. O diretor se defendeu, dizendo que a ideia do filme surgiu quando ele assistia a uma entrevista com o próprio Horikoshi, em que ele declarava que tudo o que queria era fazer algo bonito!

É, nem sempre os ventos nos levam aonde queremos chegar! Mas, independente do destino, é preciso saber se manter ereto e forte para continuar vivendo.

“Ergue-se o vento!… Há que tentar viver!”

Vidas ao Vento é um filme PRA SE ENCANTAR. Estreia prevista para fim de fevereiro aí no Brasil. Não percam!

 

 

 

 

 

 

~ by Lilia Lustosa on janeiro 24, 2014.

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