Veja o trailer aqui!
Título original: La Vie d’Adèle 
Origem: França
Diretor: Abdellatif Kechiche
Roteiro: Julie Maroh, Abdellatif Kechiche
Com: Léa Seydoux, Adèle Exarchopoulos, Salim Kechiouche
De volta aos filmes de arte ou de autor, o assunto de hoje é o vencedor da Palma de Ouro em Cannes 2013: La Vie d’Adèle.
Mas confesso que estou até agora tentando entender o porquê deste filme ter recebido o maior prêmio do cinema francês neste ano. Talvez, ao escrever, consiga ir decifrando junto com vocês este mistério.
O filme é longo demais, démaquillé demais, explícito demais e não tão profundo quanto deveria, deixando questões fundamentais de lado.
Baseado na BD* francesa Le Bleu est une Couleur Chaude, de Julie Maroh, o filme conta a vida de Adèle (Adèle Exarchopoulos) – uma menina comum da classe média francesa – desde sua adolescência, ainda frequentando o Lycée, até sua vida de adulta, como professora de ensino fundamental. Neste percurso, por meio de elipses não muito bem marcadas, vamos vendo as transformações e descobertas da protagonista.
Da adolescente que atrai os meninos bonitinhos da escola, até a descoberta do amor verdadeiro na figura de Emma (Léa Seydoux) – uma moça de cabelos azuis, um pouco mais velha do que ela, estudante de Belas-Artes – Adèle vai, pouco a pouco, descobrindo sua sexualidade, e adentrando um mundo azul, bem representado no filme, por meio dos vários objetos azuis presentes em praticamente todas as cenas.
No entanto, nada é muito desenvolvido até o fim. Nada é aprofundado. Nunca sentimos que adentramos em sua alma verdadeiramente. Muitos assuntos são deixados em aberto. No início do filme, por exemplo, vemos sua dificuldade de assumir sua homossexualidade ao ser chamada de lésbica na porta da escola. Ela nega, mas mesmo assim continua se encontrando com Emma. Em seguida, já vemos as duas juntas, mantendo um relacionamento fixo, mas nunca mais a vemos naquele contexto escolar. Nunca mais a vemos tendo que enfrentar o preconceito dos colegas de sala. E ficamos sem saber como ela superou tudo aquilo.
Nessa fase adolescente, há também a sequência em que Adèle é apresentada aos pais de Emma, dois artistas, intelectuais, que aprovam a escolha da filha. Em seguida, vemos o mesmo acontecer na casa de Adèle. Num décor bem mais simples, os pais da menina, recebem Emma como a professora de filosofia da filha. É assim que Adèle resolve apresentar Emma.
Fica claro ali que os pais ignoram a homossexualidade da filha e que ela, Adèle, não tem coragem de assumir sua condição. Mas isso nunca é abertamente discutido. Ela nunca conversa com sua companheira sobre suas dúvidas, angústias ou sofrimentos. Os pais nunca questionam a filha, não acham estranho seu comportamento…
Nessas duas sequências, aliás, o contraste é enorme, e fica evidente a diferença social e cultural entre as duas meninas. No primeiro caso, o casal intelectual serve ostras e um excelente vinho para as duas. A conversa gira em torno de cursos universitários, caminhos profissionais, mas sempre com muito respeito pelas escolhas tomadas. No segundo caso, o casal de trabalhadores, oferece spaghetti à bolognesa, também acompanhado de vinho. O ambiente é bem menos sofisticado e o discurso bem mais pragmático: é preciso trabalhar para ganhar dinheiro. E a arte nem sempre é capaz de assegurar o pão de cada dia.
De repente, damos um salto no tempo, e Adèle já terminou a escola e está morando com Emma. Ela agora é professora de crianças pequenas. Não vemos suas angústias, nem seus confrontos com o preconceito. Tudo acontece hors champ, tudo passa batido. No entanto, em uma briga entre as duas, Adèle confessa não ter tido coragem de contar na escola onde trabalha, que ela mora com uma mulher.
Percebemos, então, que o tempo passou e Adèle ainda não se sente totalmente segura de sua escolha, embora esteja convencida de que ame Emma. Ou, pelo menos, não conseguiu ainda juntar forças para enfrentar de cabeça erguida o preconceito da sociedade francesa. Adèle é, assim, uma pessoa dividida, que, na escola, assume um papel e, no mundo artístico de Emma, assume outro. Mas nós, do lado de cá da tela, só a vemos em um mundo ou em outro. Jamais no limbo… jamais penetramos seu mundo espiritual, jamais entramos em seu sofrimento.
Parece clara, então, a escolha do diretor pela exibição, pela exteriorização, deixando de lado a introspecção. Ou, ao contrário, a exibição para justamente não ter que tocar na ferida do drama interior.
As cenas de sexo – que são muitas – são explícitas, cruas, nuas são bons exemplos disso. A sequência da primeira relação sexual é tão longa (7 minutos ou mais) que causa desconforto. É tudo tão claro, limpo e natural (sem nuances de luz), que chega a ser grotesco. Composta por muitos closes, que se intercalam com planos médios, vemos todas as partes dos corpos das atrizes. Aliás, o close é a grande ferramenta deste filme. Vemos suas peles como se estivéssemos com lupas diante de nossos olhos, vemos suas bocas, pernas, bumbuns, pescoços, tudo. Tudo está ali tão próximo de nós e por tanto tempo que incomoda. Na sala de cinema em que estava, pude ouvir pessoas rindo depois de um certo tempo. Provavelmente incomodadas pelo excesso, pela crueza e pela proximidade das cenas, que de tão “reais” acabam por tornarem-se cômicas. E não acredito que seja porque se trata de um casal homossexual não. Um casal heterossexual provavelmente causaria o mesmo desconforto.
Mas a verdade é que Kechiche gosta mesmo de expor o corpo feminino de forma grotesca, sem maquiagens, sem sombras nem meias-luzes. Faz parte de sua poética. Em Vênus Negra (2010), lembro-me de ter tido essa mesma sensação de desconforto diante de algumas cenas de exibição corporal excessiva. Como estava assistindo ao filme em casa, não tive dúvida, peguei o controle remoto e acelerei… Desta vez não tive escolha!
Ainda dentro do modo “exibição” / “exteriorização”, Kechiche optou por trabalhar com atrizes não maquiadas e não penteadas. Deixou-as em seus modos naturais, sem disfarces, sem esconderijos, para que pudessem dar seu melhor, sem máscaras para as protegerem. O resultado foi bom, pois a atuação das duas é excelente. Aliás, o ponto alto do filme.
No entanto, Julie Maroh, a autora da BD e homossexual assumida, criticou a atuação das duas durante as cenas de sexo, argumentando que não sabe quem orientou as moças, mas que o diretor deveria ter escolhido atrizes lésbicas a fim de que as cenas fossem mais verossímeis. Segundo ela, tudo ficou tão falso e feio que beira o pornô.
Mas talvez tenha sido justamente esta opção pelo “exterior”, pela falta de máscara ou subterfúgios, que tenha dado à La Vie d’Adèle a Palma de Ouro. Para mim, ainda faltou algo. Faltou informação (e olha que o filme dura três horas), faltou sentimento e, sobretudo, faltou encanto.
Um filme PRA PENSAR.
*BD (bande dessinée), revista em quadrinhos, comics.
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