La Vénus à la Fourrure (2013)
Título original: La vénus à la fourrure
Origem: França / Polônia
Diretor: Roman Polanski
Roteiro: Roman Polanski, David Ives
Com: Emmanuelle Seigner e Mathieu Amalric
Parece que 2013 é o ano dos grandes nomes do cinema voltarem à cena em grande estilo, com filmes mais maduros, mais enxutos, mais descomplicados e incrivelmente bons!
No meu último post falei de Woody Allen e de seu Blue Jasmine que tanto me encantou. Hoje, é a vez de Roman Polanski e de seu mais recente “filho”: La Vénus à la Fourrure, infelizmente ainda sem título em português do Brasil (em Portugal, Vénus de Vison).
Assim como seu último filme Carnage (Veja aqui o post do dia 5/2/12.), La Vénus é igualmente baseado em uma peça de teatro e rodado em praticamente um único cenário. Desta vez, porém, Polanski trocou o apartamento em NY por um teatro decadente em uma Paris chuvosa e conseguiu enxugar ainda mais o elenco. Ao invés de dois casais (fora as crianças brincando lá fora, claro), desta feita, seu elenco reduz-se a dois atores. “C’est tout!” Apenas dois atores, do começo ao fim. Eles são as grandes estrelas do filme: Vanda (Emmanuelle Seigner) – “by the way”, esposa de Polanski – e Thomas (Mathieu Amalric).
A história é baseada na peça de teatro Venus in Furs, de David Ives, que fez grande sucesso na Broadway em 2010 e que, por sua vez, baseia-se no romance de Leopold von Sacher-Masoch, publicado em 1870. Obra que, aliás, deu origem ao termo “masoquismo”.
Thomas é um diretor/autor de teatro e está selecionando a atriz que fará o papel de Wanda na sua próxima peça La Vénus à la Fourrure. Após um dia inteiro vendo passar à sua frente, atrizes vulgares e incompetentes, querendo o papel de Wanda, Thomas se sente desanimado. Ele confessa à sua noiva, por telefone, seu insucesso na busca de uma atriz que realmente entenda a grandeza de sua personagem. Ele se prepara para ir embora, quando, eis que entra em cena uma última candidata, atrasada, super maquiada, e que tem, não por coincidência, o mesmo nome da protagonista da peça. Após um fantástico plano-sequência à la Hitchcock, em que a câmera (subjetiva) passeia por uma alameda chuvosa de Paris, vira, fica de frente para o teatro, abre a porta e entra no recinto em que Thomas se encontra, o filme-peça vai, então, começar.
E vai ser ali, naquele único cenário com pouca luz, naquele huit clos que parece tanto agradar a Polanski, que o filme todo vai se desenvolver. Em uma única noite.
Vanda, a atriz quarentona extremamente vulgar, mascando chiclete, cuspindo gíria a cada frase que solta, está muito longe do que vislumbrava Thomas para sua personagem. No entanto, ela vai insistir em fazer o teste. Ele não quer deixa-la, mas ela vai pouco a pouco envolvendo-o em sua teia, até que, sem que ele mesmo perceba, acabe diante da atriz encenando sua peça.
Acontece que quando Vanda-a-atriz, encarna Wanda-a-personagem, ela se transforma. A mulher vulgar cede lugar a uma lady refinada e culta. A linguagem muda, a postura muda e o tom de voz também. E, para a surpresa de Thomas, a atriz decadente conhece o texto de cor, sabe todas as falas com segurança, e ainda traz um figurino adequado em sua bolsa… fora outras surpresas que prefiro não revelar. Thomas fica extasiado e cai em sua armadilha.
A partir daí, veremos um verdadeiro jogo de sedução e poder entre mulher e homem, entre atriz e diretor, em que as falas da peça se confundem com as falas do filme, num mise en abyme alucinante. Quem comanda quem? Que é o verdadeiro submisso? Quem escreve “a história”? Quem é o algoz e quem é a vítima? Existe, aliás, um algoz e uma vítima nesse tipo de relacionamento ?
Essas e outras questões estão presentes em cada linha de texto falado por essas duas estrelas que compõem o novo filme de Polanski, Emmanuelle Seigner et Mathieu Amalric. Duas excelentes atuações que seguram o filme do começo ao fim, sem nos deixar cair no tédio nem só por um instante. Uma hora e trinta e cinco minutos carregados de sensualidade, malícia e erotismo, sem precisar recorrer em nenhum momento ao vulgar para nos seduzir. Brilhante!
Thomas pode até mesmo ser o alter-ego do diretor franco-polonês, sua voz podendo ser ouvida em algumas falas do personagem, como naquela que questiona a razão pela qual as pessoas, hoje em dia, teimam em achar uma explicação moral para todas as situações do mundo. Sem falar que, Polanski ainda escolheu sua própria esposa para interpretar Vanda/Wanda. Aliás, um presente e uma bela homenagem à sua amada, já que é ela quem comanda a cena, esbaldando sensualidade, charme, inteligência e beleza.
Bravo, Polanski! Os ares suíços estão te fazendo bem!
E como disse anteriormente, em meu texto sobre Carnage, deixemos o homem de lado e concentremo-nos no artista! Pelo menos aqui, neste espaço de reflexões cinematográficas!
Um filme PRA PENSAR.