Crimes Ocultos (2015)

•maio 14, 2015 • Leave a Comment

Título original: Child 44

Origem: Inglaterra / EUA / República Tcheca / Romênia

Direção: Daniel Espinosa

Roteiro: Richard Price, Tom Rob Smith

Com: Tom Hardy, Noomi Rapace, Gary Oldman, Joel Kinnaman, Paddy Considine, Fares Fares

Baseado no primeiro livro (de uma trilogia) do britânico Tom Rob Smith, Child 44, publicado em 2008, Crimes Ocultos é um thriller que prende a atenção, apesar do roteiro um tanto quanto confuso.

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A história se passa na União Soviética – URSS de Stalin, no início dos anos 50, período de denúncias, de muitas mortes e de muitos mistérios. Lá, Leo Demidov (Tom Hardy), um órfão transformado em herói durante a II Guerra Mundial e agora agente da KGB, vai investigar a estranha morte do filho de seu amigo, também agente do serviço secreto soviético.

Ao levantar a hipótese de um assassinato, Demidov se transforma subitamente em uma ameaça ao Estado e é por isso exilado, junto com sua esposa Raisa (Noomi Rapace), acusada de traição. Os dois deixam então Moscou, e vão viver no interior, enquanto mais crianças continuam morrendo de forma misteriosa. Inconformado por, finalmente, entender a lógica do Estado Soviético, de abafar qualquer crime a fim de manter a imagem de “paraíso” – afinal de contas, para eles “não há crimes no paraíso” – Demidov vai se arriscar e tentar desvendar o mistério desses assassinatos.

Com uma câmera muito inquieta (em algumas cenas, exageradamente inquieta), cores escuras, excelente trilha e atuações maravilhosas por parte de todos, o filme de Daniel Espinosa poderia ser excelente. Porém, o roteiro confuso, não nos permite explorar ao fundo nenhuma das partes. Há, de um lado, toda a questão da repressão política em uma sociedade autoritária, em plena pós-guerra, que, por si só já é enorme; de outro lado, há a questão do serial killer, que também constitui um filme à parte. As duas juntas formam um todo interessante, sem dúvida, mas que acaba ficando demasiado complexo, pouco “acabado”. Há muita informação e muitos acontecimentos que não são bem desenvolvidos, não são aprofundados, uma questão atrapalhando, assim, a outra. O fato mesmo de o protagonista ser um órfão, vítima dos horrores da guerra, é explorado apenas no começo do filme, sendo depois deixado meio de lado.

De qualquer maneira, Crimes Ocultos vale pela tensão que gera e, sobretudo, por retratar a vida em um regime totalitário, em que a liberdade é algo muito mais distante do que um sonho. Não por acaso sua distribuição foi proibida na Rússia de Putin, que alegou tratar-se de uma versão distorcida da história da União Soviética. Interessante!

A crítica europeia, por sua vez, tem sido bem severa com o filme de Espinosa, dando-lhe baixa pontuação e poucas estrelas. Os que leram o livro também alegam que a adaptação à telona foi bem decepcionante, já que pouco se aprofundou no aspecto psicológico dos personagens. Como não li, não posso avaliar. Só sinto que de fato muita coisa ficou no ar, muitas sub-tramas que poderiam ter sido mais desenvolvidas, não foram, o que dificultou um pouco a conexão entre as partes. Como se ele quisesse contar uma história complexa em pouco tempo e muitos trechos tivessem que ser super resumidos ou eliminados, comprometendo um pouco a qualidade da narração.

Assim sendo, para quem gosta de filmes sobre serial killers, Crimes Ocultos talvez seja um pouco decepcionante. Assim como para quem gosta de filmes sobre guerras, regimes totalitários, política em geral, o filme também possa causar certa frustração. Porque ele não é nenhuma coisa nem outra. Está mais para um híbrido que serve como passatempo. Um angustiante passatempo.

No entanto, Crimes Ocultos prende, é tenso, angustiante, às vezes mesmo revoltante. O final é que é meio dispensável…

PRA SE DISTRAIR e PRA SE ANGUSTIAR

Estreia prevista no Brasil em 21 de maio.

Promessas de Guerra (2015)

•maio 3, 2015 • Leave a Comment

Título original: The Water Diviner

Origem: Austrália / Turquia / EUA

Direção: Russell Crowe

Roteiro: Andrew Knight, Andrew Anastasios

Com: Russell Crowe, Olga Kurylenko, Dylan Georgiades, Yilmaz Erdogan, Cem Ylmaz

No post da semana passada falei sobre um documentário que abordava o genocídio armênio até hoje não reconhecido pelos turcos. Agora é a vez de falarmos sobre um filme que mostra os turcos sendo mortos pelos ingleses, australianos e neozelandeses, e, de acordo com a “regra do jogo”, matando também seus oponentes.

Trata-se, desta feita, no entanto, de uma ficção (baseada no livro de mesmo nome – The Water Diviner – escrito por Andrew Anastasios e Dr. Meaghan Wilson-Anastasios), dirigida (pela primeira vez) e estrelada por Russell Crowe : Promessas de Guerra.

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O filme conta a história de Connor (interpretado pelo próprio Russell Crowe), um camponês australiano, pai de três rapazes, desaparecidos na I Guerra Mundial, na batalha de Gallipoli (Dardanelos), na Turquia. A fim de cumprir uma promessa feita à sua inconsolável esposa que sucumbe à dor da perda tripla, ele parte em busca dos corpos dos filhos, com o intuito de traze-los de volta para enterrá-los dignamente, em seu país. Começa aí então seu périplo em terra “inimiga” a fim de cumprir essa missão.

A estreia de Russell Crowe por detrás das câmeras mostra que o ator neozelandês (criado na Austrália) tem potencial para a carreira de diretor, apesar dos senões deste seu primeiro filme.

Esteticamente falando o Promessas de Guerra é impecável. Com uma fotografia lindíssima, assinada por Andrew Lesnie (que morreu em abril último, uma semana após o lançamento do filme nos Estados Unidos) o tom de terra, os closes na hora certa, os movimentos de câmera bem executados e os belíssimos planos gerais em plongée vertical, agradam bastante aos olhos.

A narrativa também é boa, com flashbacks intercalados, fáceis de entender e de acompanhar. O ritmo é bom, assim como são as atuações.

Os senões ficam, então, por conta da tentativa de “açucarar” a história para torna-la mais palatável, menos sofrida. Espécie de cacoete hollywoodiano que faz o filme perder um pouco a credibilidade. Realmente, não precisava. Para começar, o romance no meio desta história ficou perdido, meio forçado. Assim como as resoluções em geral do filme, que acontecem com muita facilidade, sendo simplistas demais. Perdoa-se muito facilmente, o inimigo vira melhor amigo logo após um gesto de humanidade, todos se comovem com as dores alheias… Uma maneira meio ingênua e utópica para colocar um fato histórico que marcou (e matou) tanta gente. Gostaria muito de acreditar nesses sentimentos e nessa facilidade de se conquistar a paz e de oferecer o perdão. Mas acho que fica um pouco artificial numa história baseada em fatos reais, fantasioso demais. O que acabada dando ao filme um quê de filme da Disney.

Mesmo assim, apesar dos clichês e das partes açucaradas, o filme consegue pintar um bom (mau) panorama de uma guerra, fazendo-nos refletir sobre seus horrores, suas ignorâncias, seus absurdos, suas incoerências e suas consequências. E, ao final, o que vemos é que não há mocinhos nem bandidos, não há bons nem maus. O que há são dois lados semelhantes, gente comum (pais, filhos, irmãos, tios, etc.) sendo obrigada a lutar, a matar, a se defender, a sobreviver por uma causa que muitas vezes desconhece. Total estupidez! E o resultado é sempre o mesmo: mortes, perdas, dores, sofrimentos, revoltas, traumas, infelicidades. Para os dois lados, mesmo para os que saem “vencedores”. E nesse quesito, o filme toca, emociona. E por isso vale a pena ser assistido!

PRA SE DISTRAIR e, dependendo do seu “lacrímetro”, PRA CHORAR.

PS. A imprensa internacional (tirando a turca) não gostou nadinha de o filme ignorar o genocídio armênio, que não é mencionado em nenhum momento nesta história.

 

Le Fils du Marchand d’Olives (2011)

•abril 26, 2015 • Leave a Comment

Título original: Le Fils du Marchand d’Olives

Origem: França

Direção: Mathieu Zeitindjioglou.

Roteiro: Mathieu Zeitindjioglou, Anna Zeitindjioglou e Thomas Rio.

Com: Anna Zeitindjioglou, Mathieu Zeitindjioglou e a voz de Jean-Claude Dreyfus (narração – animação)

Em tempos de “celebração” dos 100 anos do genocídio armênio, meu comentário hoje é sobre o documentário Le Fils du Marchand d’Olives, realizado em 2011, pelo franco-armênio Mathieu Zeitindjioglou (o sobrenome complicado foi “turquificado” por seu avô durante o genocídio com o intuito de sobreviver). le_fils_du_marchand_d_olives

Um filme que choca pela crueza de suas imagens e pelo conteúdo denso dos depoimentos.

Em termos estéticos, no entanto, o filme deixa um pouco a desejar. Tirando a animação que introduz a história – bem interessante, compondo uma bela alegoria que ajuda a entender as angústias e as motivações do diretor – o restante é filmado de maneira quase amadora, sem auxílio de grandes aparatos tecnológicos. Aqui e ali intervém uma animação à la anos 90 e pronto.

Mas o belo não parece ser em nenhum momento o objetivo de Mathieu Zeitindjioglou. O que ele quer, na verdade, é entender, e nos fazer entender, o que de fato aconteceu naqueles anos, para, assim, revelar ao mundo a real situação do povo armênio naquele distante 1915. E também (talvez principalmente) para, assim, poder se libertar do sentimento de culpa e de remorso (pele de lobo) que o persegue e persegue sua família há três gerações.

Neto de um fugitivo do genocídio armênio, o diretor, depois de seu casamento com a polonesa radicada na França, Anna, resolve partir para Turquia em busca de suas origens. Os dois iniciam, então, uma road trip, indo de Istambul, passando por Erzorum e indo até a cidade de Ani, no leste do país, antiga capital do reino Armênio. Uma viagem que acaba ganhando contornos de enquete policial, com entrevistas feitas com câmera escondida, e com informações sendo negadas pelos entrevistados.

O mais curioso é o período escolhido para esta viagem-filme: a Lua de Mel do casal. O que não deixar de trazer uma certa leveza ao documentário, já que  quem o conduz com passos firmes é a própria noiva, com sua voz forte, seu jeito determinado, descontraído e objetivo. É ela que se expõe, que aparece na tela, que pergunta, instiga, enfrenta… Mathieu fica mais nos bastidores, por trás da câmera, talvez por medo de se expor enquanto armênio em uma Turquia até hoje relutante em reconhecer a morte de tantos armênios. Talvez por vergonha de ter “abandonado” seu povo,  tendo que vestir a “pele” do inimigo a fim de sobreviver (sobrenome armênio “turquificado”).

O filme tem, por fim, um formato de diário de viagem, com tomadas simples, amadoras, sem preocupações com luz, ângulo, etc. A linguagem é simples e direta. Algumas passagens são pesadas, densas, outras mais leves, divertidas. Um filme de contrastes, mas consistente e bem equilibrado, que informa e choca por suas constatações e pela falta de respostas.

PRA SE ANGUSTIAR. PRA APRENDER.

Mommy (2014)

•abril 19, 2015 • Leave a Comment

Título original: Mommy

Origem: Canadá

Direção: Xavier Dolan

Roteiro: Xavier Dolan

Com: Anne Dorval, Antoine-Olivier Pilon, Suzanne Clément

Realizado e escrito pelo menino prodígio do cinema contemporâneo – Xavier Dolan – Mommy é denso, intenso, belo, hiperbólico, atual e eterno!

Quinto longa metragem do canadense de vinte seis anos (realizado quando ainda tinha 25), Mommy ganhou o Prix du Jury no Festival de Cannes de 2014, dividindo-o com ninguém mais ninguém menos do que Jean-Luc Godard, por seu Adieu au LangageMOMMY-Affiche

O filme conta a história de Diane (Anne Dorval), uma mãe quarentona, viúva há não muitos anos, e que, sozinha, tenta criar o filho Steve (Antoine-Olivier Pilon), adolescente difícil, que sofre de distúrbios psíquicos não muito bem definidos (Déficit de atenção, hiperatividade…) Males dos novos tempos, males de todos os tempos.

O filme começa com Diane sendo chamada para buscar seu filho em um centro de reabilitação (ou algo do gênero), depois do adolescente ter colocado fogo em uma das alas do prédio, causando uma queimadura grave em um de seus colegas.

A mãe que vive de bicos para sobreviver desde que ficou viúva, vive o dilema de não querer ver o filho sofrer e ser tratado como criminoso, dando sua guarda ao Governo canadense, via lei S-14*, ou de levá-lo para casa e não saber como lidar sozinha com os destemperos (doença) do filho. Seu instinto materno, no entanto, a faz acreditar que há uma esperança para o menino, mesmo depois de ouvir da moça da instituição que a pior coisa que se pode fazer a um filho doente é acreditar que se é invencível ou que ele seja invencível. E que só o amor não basta, infelizmente. “Não é porque amamos alguém que podemos por isto salvá-lo”, diz a moça. Momento forte, ainda bem no início do filme, em que Diane, em close, responde: “os céticos serão desmentidos”.

E é com este tom que o filme é aberto. Aliás, aberto talvez não seja a palavra mais adequada, já que o formato escolhido por Dolan foi um formato diferenciado, apertado (como se filmado/visto por uma tela de ipad ou de telefone na vertical) que faz pensar no formato do cinema dos primeiros tempos. Uma fórmula que nos incomoda, que nos sufoca, dando-nos vontade de agir, aumentando a tela, abrindo nosso campo de visão. Mas é exatamente isto que ele quer, nos colocar dentro do universo desta mãe que sofre, que se sente oprimida, sufocada, encurralada, sem conseguir enxergar uma saída para seu filho e para sua própria vida.

Eis que, para aliviar a vida de todos, inclusive a nossa de espectadores, surge Kyla (Suzanne Clément) uma vizinha recém-chegada ao bairro da periferia de Montreal, que sofre de um distúrbio da fala. Depois de um trauma, que nunca é explicitado no filme (tenho minhas desconfianças), ela gagueja e tem que abandonar seu trabalho de professora. E é no universo desequilibrado de Diane e de Steve, que Kyla – que vive com marido e filha em um lar aparentemente “normal”- encontra seu equilíbrio. É lá, em meio à gritaria, fumaça de cigarro, álcool, música alta e um “quase-filho”, que ela consegue melhor se expressar, se soltar, se liberar de seus traumas silenciosos e misteriosos até o fim do filme.

Assim, com esse trio de personagens maravilhosamente interpretados pelos três atores, o filme vai nos envolvendo, nos embarcando numa espécie de montanha russa de sentimentos e de sensações, em que vamos do riso à lágrima em poucos segundos, da calmaria à taquicardia de uma cena a outra. Reflexo imediato do que vemos na tela: Steve indo da candura à loucura em frações de segundos; as falas absurdamente rápidas de Diane, contrastando com as falas super lentas e gaguejadas de Kyla; sentimentos de esperança, seguidos do mais puro desespero…

Para completar a fórmula de sucesso de Mommy, a excelente trilha que embala o filme – composta basicamente de música pop – faz parte na realidade, de sua própria diegese (universo fílmico), sendo constituída pela playlist que o pai de Steve lhe deixou gravada em um CD, antes de morrer, e por isso mesmo, tão carregada de sentimentos e de recordações.

Uma das sequências mais ensolaradas do filme é a ritmada pela música Wonderwall, da banda Oasis, cuja cena-climax é a de Steve andando de skate, acompanhado por Diane e Kyla de bicicleta, e ele, transbordando de felicidade, empurra as bordas da tela, abrindo-nos finalmente a visão por algumas cenas. São momentos, mesmo que curtos, de alívio, de esperança, de crença na possibilidade de um futuro feliz para esta mãe e para este filho que tanto sofrem e não sabem que caminho seguir. Talvez não por simples coincidência a banda se chame “Oasis”. Esta sequência é um oásis dentro das areias infinitas do filme.

Mommy é um filme forte, que mexe pra valer com a gente, sobretudo com as mães de plantão, que tudo o que mais querem na vida é ver seus filhos felizes! Imperdível!

PRA PENSAR. PRA SE ANGUSTIAR.

* No início do filme, um texto em letras minúsculas, explica que em um Canadá fictício de 2015, a lei S-14 permite que um dos pais de uma criança portadora de distúrbios comportamentais severos, em caso de problemas financeiros, perigos físicos e/ou psicológicos, possa deixar seu filho (a) sob a guarda dos hospitais públicos canadenses.

Sur le Chemin de l’École (2013)

•abril 11, 2015 • Leave a Comment

Título original: Sur le chemin de l’école

Origem: França

Direção: Pascal Plisson

Roteiro: Pascal Plisson e Marie-Claire Javoy

Duração: 77 min

O assunto de hoje é documentário. Um belíssimo filme realizado pelo diretor francês Pascal Plisson em 2013 e ganhador do César de melhor filme documentário em 2014.

Sur le chemin de l’école é um filme que toca. A fotografia é linda, os cenários naturais, belíssimos e o roteiro, simples.

O filme narra assim, por meio de imagens (poucas falas), o caminho que algumas crianças espalhadas pelos quatro cantos do mundo têm que fazer para chegarem até suas escolas.

Para nos mostrar esse périplo que tantos pequenos enfrentam para, ao menos, se darem ao direito de sonhar com uma vida melhor, o diretor se concentra no trajeto feito por quatro protagonistas: Jackson, de 10 anos, no Quênia; Zahira, de 12, nas montanhas do Marrocos; Carlos, de 11, na Patagônia (Argentina); e Samuel, também de 11 anos, na Índia.

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Muito distante de nossas realidades urbanas e privilegiadas, essas crianças enfrentam perigos e desafios todos os dias para chegarem a seu destino. E olha que o que Plisson nos oferece é só uma amostra… Sabemos muito bem que essa situação é enfrentada em vários outros países do mundo. No nosso Brasil, inclusive, não tão longe (fisicamente) de nós, há muitas crianças que enfrentam desafios de mesma sorte, às vezes piores, já que nem sempre contam com o apoio dos pais.

E aí talvez valha salientar um ponto talvez meio utópico (talvez real, quem sabe!) do filme: Nos quatro casos, as famílias parecem ter plena consciência da importância da educação como caminho para ascender na vida. Pergunto-me se todas aquelas pessoas que, infelizmente, não tiveram o privilégio de frequentarem escolas conseguem ter essa dimensão ou se houve alguma orientação do diretor neste quesito, sobretudo com relação às falas. Pode ser que, em alguns casos, justamente por não ter tido acesso, eles saibam da importância de incentivarem os filhos a irem à escola. Talvez, a falta de uma educação formal não lhes tenha diminuído o sonho nem a noção da importância do estudo na formação de um cidadão. Mas tenho cá minhas duvidas!

De uma forma ou de outra, mesmo que, obviamente, guiados por um roteiro pré-estabelecido, e, portanto, conscientes da presença da câmera, a vida e a força dessas crianças, assim como a clareza de pensamento de suas respectivas famílias, nos tocam profundamente. Algumas falas também, como a do pai do menino queniano, dono de uma vida muito simples, incentivando os filhos a irem à escola apesar dos perigos de encontrarem elefantes no caminho. Emocionante!

Sur le chemin de l’école funciona quase como um golpe no estômago, emocionando-nos, tirando-nos de nosso mundinho-bolha, de nossa confortável cadeira de cinema ou do sofá de casa, fazendo-nos enxergar a realidade de além-câmera. Mas tudo isso de forma bela e leve! As crianças riem, se divertem, têm medo de vez em quando, se questionam, cantam, brincam e parecem felizes, apesar de tudo… Lindo, lindo, lindo! E as últimas cenas, com alguns depoimentos das crianças sobre como se imaginam no futuro são de dar um nó na garganta!

Uma ótima pedida para ver com nossas crianças privilegiadas.

PRA SE ENCANTAR, SE EMOCIONAR e APRENDER.

L’Art de la Fugue (2014)

•abril 3, 2015 • Leave a Comment

Título original: L’Art de la Fugue

Origem: França

Direção: Brice Cauvin

Roteiro: Brice Cauvin, Agnès Jaoui, Raphaëlle Desplechin, Stephen McCauley (livro)

Com: Agnès Jaoui, Laurent Laffite, Bejamin Biolay, Nicolas Bedos, Marie-Christine Barrault, Guy Marchand. Élodie Frégé.

Um filme bem francês, cheio de discussões e reflexões sobre a vida, “só que não” (como dizem os jovens por aí!), já que se trata, na verdade, de uma adaptação do romance americano The Easy Way Out de Stephen McCauley, publicado em 1992.

A crítica por aqui (francesa) muito acentuou a semelhança deste filme com o estilo de Wood Allen. Achei bem curioso, quase irônico, já que, para mim (com olhos sul-americanos), “o mais intelectual dos diretores americanos” sempre teve um estilo meio “francês” de ser, com essa mania de discutir relações, discutir direitos, mania de refletir sobre a vida e de centrar seus roteiros em personagens que vivem grandes crises existenciais. (Perdoem-me se parece estereótipo, mas que os franceses são chegados numa crise e numa discussão, isso não se pode negar!)

Woodalliano ou não, L’Art de la Fugue – ainda sem títulol'art de la fugue affiche no Brasil – conta a história de três irmãos à beira dos quarenta, todos vivendo a famosa “crise da meia idade”, repensando valores, decisões, estilos de vida e, sobretudo, refletindo sobre qual o próximo passo dar em busca da tão almejada felicidade. São ou não são felizes? Devem continuar como estão e com quem estão ou melhor mudar de caminho? Será que a felicidade está mesmo alhures? Mas, afinal, o que é (ou como é) mesmo ser feliz?

Para agravar a fase nebulosa, os pais, que vivem, por sua vez, suas próprias crises existenciais – não mais da meia-idade, mas não por isso menos importantes – são extremamente dominadores e interferem a todo instante na vida dos pimpolhos. Numa das primeiras cenas do filme, em que os três filhos vêm tomar café da manhã com a mãe, pode-se ler na xícara de cada um seus nomes, gravados com tinta azul. Um símbolo da ainda forte dominação materna. Como se não quisesse ou não pudesse deixa-los crescerem, tornarem-se independentes, partirem.

Apesar dos diálogos interessantes, o filme é um pouco longo demais, perdendo o fôlego em alguns momentos, e tornando algumas partes meio enfadonhas. Mas claro, tem Paris para dar uma aliviada, sempre linda e charmosa! Tem também Bruxelas, que aparece em algumas cenas, quase sempre chuvosas…

O elenco é bom. Os “rapazes” estão todos bem, mas quem rouba a cena é Agnès Jaoui que – como sempre – está excelente em seu papel de amiga de todos e namorada de ninguém. Já a bela cantora Élodie Frégé, que tanto me encantou como jurada na temporada Nouvelle Star 2015, provando ser competente, além de linda, é uma verdadeira catástrofe em cena. Melhor faria continuando no universo musical!

Embora um filme sobre crises, dúvidas, medos e sofrimentos, L’Art de la Fugue é leve e divertido, embora não-despretensioso. Acho que o diretor até pretendia muitas coisas, só que não conseguiu chegar lá!

Um filme PRA SE DISTRAIR.

Vício Inerente (2014)

•março 22, 2015 • Leave a Comment

Titulo original: Inherent Vice

Origem: EUA

Direção: Paul Thomas Anderson

Roteiro: Paul Thomas Anderson, Thomas Pynchon (livro)

Com: Joachin Phoenix, Josh Brolin, Owen Wilson, Katherine Waterston, Joanna Newsom, Benicio Del Toro, Reese Whiterspoon

Alucinação, realidade, delírio, sonho… confusão. Essas foram as palavras que me acompanharam ao longo deste interessante e delirante filme-labirinto de Paul Thomas Anderson.

Filmado em grande parte em closes frontais, diretos, crus, invasivos, agressivos, às vezes incômodos pela maneira como invadem nosso espaço de espectador, Vício Inerente é, sem dúvida, um filme que não passa despercebido nem cai no esquecimento.

Baseado no livro homônimo de Thomas Pynchon, publicado em 2009, o filme instiga a um pensar constante. A palavra “espectador”, aliás, perde aqui um pouco seu sentido, já que não tem como ser passivo neste filme. É preciso um certo empenho e um certo esforço para tentar entender e acompanhar as reviravoltas deste labirinto místico que é Vício Inerente. E é aí que está a sua graça!

Entender o título é nosso primeiro desafio.

O filme conta a história de Doc (um Joachin Phoenix absolutamente magnífico), detetive particular, usuário de drogas, homem sem grandes ambições, hippie de corpo e alma (o figurino, aliás, é fantástico), morador de uma espelunca à beira-mar e que atende seus clientes em um consultório médico pra lá de esquisito.

A história se passa na Califórnia dos anos 1970 e mostra uma sociedade bem dividida entre os hippies usuários de drogas, defensores das liberdades e do “paz e amor” e os conservadores “limpos”, establishement preocupado em ganhar dinheiro e em construir um futuro melhor (pra quem?).

Doc vai ser então levado por sua ex-namorada Shasta (Katherine Waterstone) – delírio ou realidade? – a tentar desvendar o desaparecimento de um grande empresário do ramo imobiliário, por acaso seu amante, desatando o nó (ou apertando-o ainda mais) de uma complicada rede de venda de drogas, que envolve a China e as indústrias odontológica e imobiliária ali da região.

Para completar a confusão, a voz em off que permeia toda a história, tentando esclarecer um pouco o mistério – ou talvez lhe adicionando mais um complicador -, ganha vez por outra corpo na figura de Sortilège (Joanna Newsom), uma personagem que nunca sabemos ao certo se é real ou parte da imaginação delirante de Doc. Sua fala mansa, cheia de misticismos, dá um toque irônico e, ao mesmo tempo, nos embarca diretamente para aquele início de anos 70.

Filmado com textura e cores dos seventies, ritmado por uma trilha sonora excelente, sem exageros, assinada pelo britânico Jonny Greenwood, Vício Inerente é um filme que, apesar de confuso e longo, prende do começo ao fim. Talvez porque seja justamente um verdadeiro desafio à nossa inteligência tentar entender seu enredo.

Assistam e depois me digam o que entenderam!

By the way, o que aquela cena da “última ceia”, em que tudo acaba em pizza, está fazendo ali?

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Um filme PRA PENSAR. Ou PRA QUEBRAR A CABEÇA (acho que vou criar essa nova categoria… talvez possa incluir Inception, Cloud Atlas… quem dá mais?)

Meu olhar agora também no Instagram: cine.meuolhar

•março 16, 2015 • Leave a Comment

O desafio agora é trazer pouco a pouco todas as imagens referentes aos textos já escritos... São mais de 142. Vai demorar um bocadinho, mas eu chego lá. Pelo menos já consegui instalar no site o plugin do Instagram. Agora é saber fazer funcionar...
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Boyhood – Da Infância à Juventude (2014)

•março 15, 2015 • 2 Comments

Título original: Boyhood

Origem: EUA

Direção: Richard Linklater

Roteiro: Richard Linklater

Com: Ethan Hawke, Patricia Arquette, Ellar Coltrane, Lorilei Linklater.

Depois de já ter encantado o mundo (ou pelo menos, a mim!) com sua trilogia Antes do Amanhecer (1995), Antes do Pôr-do-Sol (2004) e Antes da Meia-Noite, estrelados pela mesmo casal de atores Ethan Hawke e Julie Delpy, o texano Richard Linklater nos presenteia mais uma vez com uma joia rara.boyhood

Filmado ao longo de 12 anos, contando com o mesmíssimo elenco por todo esse tempo, Boyhood é um filme sensível, original (único!), delicado, simples e belo.

Apesar de seu parentesco com o documentário, Boyhood é uma ficção. Certamente, uma ficção diferente, em que seu diretor, ao longo de 12 anos, reuniu o mesmo grupo de atores uma vez por ano, numa espécie de laboratório cinematográfico – quiçá, sociológico e psicológico – a fim de acompanhar a transformação de um menino em homem. Ou, simplesmente, com o intuito de registrar a vida como ela é, com seus pequenos e grandes problemas, com suas pequenas e grandes alegrias. Como se voltasse aos primórdios do cinema, quando ainda se discutia o verdadeiro sentido desta nova arte: filmar a realidade ou criar novas realidades?

E, ao que nos parece, Linklater fez os dois ao mesmo tempo, deixando para trás essa discussão apaixonante e provando que a sétima arte se presta a todos os sonhos, a todas as ambições e a todos os objetivos! Uma arte de infinitas possibilidades…

Boyhood acompanha a trajetória do menino Mason (Ellar Coltrane) desde os seus 6 anos de idade até os seus 18, quando entra na faculdade, abandona o ninho e ganha o mundo, juntamente com o título de adulto e dono de seu próprio destino. Em seu entorno, acompanhamos também as transformações nas vidas de sua irmã mais velha Samantha (interpretada pela filha de Linklater, Lorilei Linklater), de seus pais divorciados (interpretados por Patricia Arquette, ganhadora do Oscar de melhor atriz por este trabalho, e por Ethan Hawke) e de alguns de seus amigos mais próximos.

Trata-se de um filme sem clímax, de uma história sem grandes acontecimentos, ou melhor, feita dos pequenos grandes acontecimentos que fazem a vida ser o que é. Isso poderia até ser considerado um defeito de roteiro. No entanto, a ausência de clímax foi aqui substituída pela passagem real do tempo e por nossa expectativa de ver a cada ano passado as transformações físicas, tão visíveis em um corpo de adolescente. E tudo isso, obviamente, sem recorrer à maquiagem, aos efeitos especiais ou aos softwares ultra sofisticados, ferramentas de “trucagem” de última geração. Não, todos os “efeitos” que vemos na tela são reais, concretos e estão lá diante de nossos olhos, tão claros, diretos, simples e tão tocantes.

Boyhood é, por isso mesmo, mais do que um filme comum, é uma experiência sensorial. Um retrato da vida de todos nós, de qualquer um de nós. Vida simples, complexa, grande, pequena, rica, pobre, chata, interessante, triste, feliz… Um filme que não conta nada e conta tudo. Uma obra ousada, sem grandes tecnologias empregadas, produzida com pouco dinheiro, mas com muita paixão e coragem. Um filme inesquecível que marca a história do cinema e que reabre a discussão sobre o verdadeiro sentido de se fazer filmes, ou que, talvez, simplesmente, a encerre de uma vez por todas.

Um filme PRA PENSAR e PRA SE ENCANTAR imperdível!

Foxcatcher: Uma História que Chocou o Mundo (2014)

•fevereiro 13, 2015 • Leave a Comment

Título original: Foxcatcher

Origem: EUA

Direção: Bennett Miller

Roteiro: E. Max Frye, Dan Futterman

Com: Steve Carell, Channing Tatum, Mark Ruffalo, Sienna Miller, Vanessa Redgrave

Em muitos de meus textos, tenho criticado a análise e o julgamento extremamente rigorosos feitos pela turma do Cahiers du Cinéma – até hoje a maior referencia da crítica cinematográfica do mundo francófono, quiçá do mundo tout court. No entanto, desta feita, tenho que dar mão à palmatória e me juntar à recente crítica feita ao filme Foxcatcher, de Bennet Miller, escolhido, inclusive, como Filme do Mês na edição de janeiro de 2015 do Cahiers.

O filme é de fato excelente! De uma delicadeza e sensibilidade absurdas, que contrastam enormemente com os “trogloditas” que vemos lutando nas telas!

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Baseado em uma história real – ou, mais precisamente, em um fait-divers, como dizem os franceses, Foxcatcher conta a história de três homens cujos destinos se cruzam, se entrelaçam e acabam por se destruírem:

Mark Schultz (Channing Tatum), lutador decadente de luta greco-romana, campeão olímpico em 1984, estrela meio apagada da constelação de atletas americanos, vive de bicos, falando sobre sua experiência de atleta para escolas públicas americanas e sonha em ainda representar os EUA nos mundiais e nas olimpíadas de Seoul (1988);

Dave Schultz (Mark Ruffalo), irmão mais velho de Mark, também lutador, igualmente ganhador de uma medalha de ouro nas olimpíadas de 1984, mais famoso do que o irmão, hoje também fazendo bicos e ganhando a vida como treinador. Casado e pai de duas crianças;

John E. Du Pont (Steve Carell), herdeiro do império Du Pont, enfant gaté, solitário, vivendo sempre sob as asas da matriarca, e impedido, na juventude, de praticar seu esporte favorito – a luta greco-romana – por ser considerada incompatível com nível social do clã Du Pont. Uma figura controversa, nebulosa, de mente perturbada.

Antes de continuar, é preciso dizer que os três atores em questão dão um show de interpretação. E olha que não sou nem um pouco fã de Steve Carell, muito menos de Channing Tatum, mas devo admitir que, neste filme, Carell teve provavelmente a melhor atuação de sua carreira (apesar do excesso de maquiagem) e Tatum mostrou que é mais que uma montanha de músculos. Seu personagem, tão forte e tão frágil ao mesmo tempo, é capaz de nos emocionar, assim como o de Mark Ruffalo, que nos presenteia igualmente com uma excelente atuação. Não é à toa que tanto Carell quanto Ruffalo estão concorrendo ao Oscar neste ano!

De volta à trama:

Depois de toda uma vida seguindo os conselhos da mãe, John E. Du Pont resolve finalmente lutar por sua alforria, para assim poder sentir o gostinho de ser alguém importante (ou pelo menos alguém importante na vida de outrem), alguém que faça diferença no mundo e que entre assim para a história dos Estados Unidos da América. Ele constrói então na gigantesca propriedade da família uma super infra estrutura de treino de luta greco-romana e monta o Time Foxcatcher. Para comandar a equipe, ele convida os irmãos Schultz, garantindo-lhes bom salário, casa, comida e roupa lavada. O que, segundo ele, deveria ser papel do Estado, mas que os EUA não fazem por seus atletas. E nesta luta, ele acaba conseguindo até mesmo negociar com o próprio governo americano (pagando muito caro) para que o time oficial selecionado para as Olimpíadas vá treinar em sua propriedade, desde que, claro, ele seja seu “coach” oficial.

Vale lembrar que o filme se passa no fim dos anos 80, últimos suspiros da Guerra Fria, num governo Reagan, “patriótico” e fã de Rocky Balboa.

No entanto, o que, no princípio, parece um sonho para os irmãos Schultz – uma nova vida regada por mordomias – acaba virando um pesadelo, já que o relacionamento que vai sendo construído entre John e Mark é um tanto quanto confuso, nebuloso, misturando afeto paternal (segurança, proteção) com relação carnal (não totalmente clara), em uma dinâmica de submissão e subserviência. E que se torna ainda mais complicado quando o milionário tenta convencer o frágil Mark de que ele não pode viver à sombra do irmão Dave, precisando encontrar seu próprio espaço, seu caminho solo. Como se projetasse no rapaz a chance de ele também alçar enfim seu voo solo, tornando-se para o atleta “um pai, um mentor, um modelo!” Tudo o que nunca foi para ninguém.

Na verdade, quase tudo em Foxcatcher é dito, ou mostrado, de maneira meio opaca, não transparente. Aliás, este parece ser o caminho escolhido por Bennet Miller (indicado ao Oscar de Melhor Diretor) para contar esta história. Desde o cenário – digno de um bom filme de suspense, com céu sempre cinza e dias cheios de brumas, naquela propriedade povoada de fantasmas da guerra – passando pela iluminação, sempre escura, até as cenas de luta, filmadas em plano americano, às vezes em close, e que alternam-se entre dança, jogo de sedução e confrontação de dois touros em uma arena, tudo no filme é meio ambíguo, meio misterioso.

As cenas de lutas são, aliás, de uma beleza estonteante, sobretudo a primeira sequência, quando nós, espectadores, somos apresentados ao esporte e vemos os irmãos Schultz pela primeira vez em ação. Há na maneira como o diretor nos apresenta esses corpos em luta algo de animal, de sensual, de violento e de delicado ao mesmo tempo. Há luta, há treino, há esporte, mas há também raiva, amor, frustração, desespero… Muitos sentimentos confundidos e que dão um nó na cabeça do espectador. O que eles estão fazendo afinal?

Na verdade, há muito mais o que dizer sobre este filme, mas vou parando por aqui para deixar para vocês o prazer de descobri-lo no cinema. Intenso, inteligente, sensível e bem interpretado, Foxcatcher é o filme “de macho” mais delicado que já vi. O universo masculino apresentado em toda sua fragilidade e beleza! Um dos melhores filmes desta safra 2014/2015, infelizmente fora da corrida pelo Oscar de melhor filme.

Um filme PRA PENSAR e PRA SE ENCANTAR.

 

 
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