Terapia de Risco (2013)

•junho 1, 2013 • Leave a Comment

Veja o trailer do filme aqui!

Título original: Side effects   sideeff

Origem: EUA

Diretor: Steven Soderbergh

Roteiro: Scott Z. Burns

Com: Jude Law, Rooney Mara, Channing Tatum, Catherine Zeta Jones

Bela jovem de 28 anos, Emily Taylor (Rooney Mara), publicitária de olhar triste, reencontra seu marido Martin (Channing Tatum) que esteve na prisão nos últimos quatro anos, cumprindo pena por desvio ilícito de dinheiro. Apesar da alegria, fruto da liberdade recém conquistada pelo marido, a moça não consegue sair do quadro depressivo em que se encontra. Não enxergando solução para seu futuro, ela atenta contra sua própria vida e acaba indo parar no hospital, sob os cuidados de um psiquiatra competente e ambicioso, Dr. Jonathan Banks (o como sempre fantástico Jude Law). Orientada pelo médico, ela inicia então um tratamento com o mais novo medicamento “da praça”, que promete milagres mas tem efeitos colaterais perigosos. Depois de um certo tempo de tratamento, a jovem depressiva comete um crime grave. De quem é a culpa? Dela, do remédio ou do médico que o prescreveu?

Com essa trama, Terapia de Risco nos coloca no epicentro da guerra velada da indústria farmacêutica, com seus inúmeros jantares, congressos, viagens e brindes oferecidos aos psiquiatras em troca da indicação de suas mais novas e poderosas drogas. Ao mesmo tempo, o filme nos faz pensar sobre a  banalização do uso dos antidepressivos nos dias de hoje e ainda sobre a dificuldade que grande parte da humanidade encontra em administrar a vida em um mundo tão competitivo e cheio de exigências.  Mas tudo isso é só o pano de fundo para um thriller de primeira categoria, cheio de intrigas, mistérios e reviravoltas.

Explicitamente influenciado pelo universo reflexivo de Hitchcock, o filme, concebido para ser o penúltimo da carreira de Steven Soderbergh – que já anunciou sua aposentadoria, logo após a apresentação de Behind the Candelabra (2013),  filme sobre a vida do pianista Liberace, hoje em competição em Cannes – é intrigante, interessante, bem pensado esteticamente, mas, talvez, um pouco previsível demais para fãs do mestre do suspense.

Usando o próprio método hitchckoquiano de revelar ao espectador apenas parte dos fatos, Soderbergh joga com os reflexos de realidade,  mostra-nos objetos-pistas em close ao longo do filme e, assim, vai, pouco a pouco, conduzindo-nos por caminhos nebulosos, confundindo nossas cabeças e induzindo-nos a tirar conclusões (precipitadas) sobre os acontecimentos.

Por meio de uma mise-en-scène inteligente, cheia de filtros que alteram a cor real da vida, de lentes que desfocam imagens e de planos tomados por ângulos esdrúxulos, que invertem pontos de vistas (bem à la Hitchcock), o filme nos coloca, em vários momentos, na pele de um depressivo, deixando-nos aflitos, angustiados e sem chão. Ao mesmo tempo, coloca-nos ainda na pele de um Hercule Poirot ou de um Sherlock Holmes (para continuar no universo britânico do mistério), tentando juntar as peças desse crime-quebra-cabeça de resultado aparentemente tão “elementar”.

Bem ritmado, com um excelente trabalho de montagem, prendendo-nos do começo ao fim, Terapia de Risco tinha tudo para ser um perfeito filme de fim de carreira para o competente Steven Soderbergh (que, diga-se de passagem, ainda está muito jovem para parar de nos presentear com seus filmes). Pena que faltou algo. Um não sei o quê que fosse capaz de nos deixar de queixo caído. O filme parece que acaba antes de terminar. Falta-lhe mais uma reviravolta. Uma nova dobra. Um novo viés… Um algo mais que talvez só a mão do grande mestre Hitchcock possa realizar.

Um filme PRA FICAR TENSO.

Além das Montanhas (2012)

•maio 26, 2013 • Leave a Comment

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Título original: Dupa Dealuri   Lungmetrajul-“Dupa-dealuri”-are-premiera-mondiala-astazi-la-Cannes

Origem: Romênia, França e Bélgica

Diretor: Cristian Mugiu

Roteiro: Cristian Mugiu

Com: Cristina Flutur, Cosmina Stratan, Valeriu Andriuta, Dana Tapalaga

Inspirada pelo Festival de Cannes, que acontece exatamente agora, do dia 15 a 26 de maio, resolvi assistir a um filme que há muito quero ver e que só agora tive a chance de faze-lo.: Além das Montanhas, do romeno Cristian Mugiu, laureado com o prêmio de melhor roteiro em 2012 e, neste ano, júri no Festival.

O filme é forte, impactante, sombrio e denso!

Baseado no livro de não-ficção Deadly Confession, de Tatiana Niculescu Bran, ele conta a história do reencontro de duas amigas de orfanato: Alina (Cristina Flutur) e Voichita (Cosmina Stratan). Ambas atrizes ganhadoras do prêmio de melhor interpretação feminina em Cannes 2012.

O filme aliás se inicia por este reencontro, com uma câmera agitada que segue Voichita por um corredor formado por dois trens azuis que se cruzam, e repleto de gente entre eles.  Depois de “vencer” o tumulto, a menina encontra enfim sua amiga de infância, Alina. As duas se lançam num abraço intenso, Alina deixando-se levar pela emoção e caindo em um choro copioso. E deixando a nós, espectadores, curiosos, sem entender a causa de tal pranto.

Apesar de o filme não explorar o passado das duas meninas, pouco a pouco, as frases trocadas entre as duas nos levam a presumir uma relação homossexual entre elas. Mas nada é explicitamente dito nem apresentado. Aliás, este é o “fil rouge” do filme, que joga o tempo todo com o dito e o não-dito, com o que pode ser dito, feito e sentido,  e o que não pode ser dito, feito nem sentido.

Claro fica, no entanto, que Alina volta para Romênia com a intenção de levar Voichita para ir morar com ela na Alemanha. Ela é, aliás, a mais explícita (talvez a única) em relação a seus sentimentos, falando várias vezes que precisa de Voichita ao seu lado para ser feliz. Mas a recíproca não é verdadeira, já que a outra menina diz ter encontrado ali, na vida religiosa, no meio daquele convento, a paz que, certamente, nunca teve em sua infância de órfã, longe das culpas de uma vida de pecadora. Alina passa a ser, então, a ovelha negra do filme. Curiosamente, a única vestida com roupas coloridas, no meio da escuridão das  roupas pretas das freiras do monastério.

Preto é, sem dúvida, a cor do filme, que tende para os tons escuros, por meio de um belíssimo trabalho fotográfico que explora a técnica de chiaroscuro, resultando em imagens fortemente contrastadas. Verdadeiros quadros de Rembrandt. Trevas e luz. Mentira e verdade. Pecado e pureza. Vários podem ser os significados desta escolha pelo contraste.

Contraste, aliás, é uma palavra bem presente em todo o filme, já que as duas meninas contrastam fortemente em suas maneiras de agir e de se vestir. Alina se veste de maneira urbana, moderna e colorida, com calça, pulôver, etc. Voichita, em função de sua escolha rural e religiosa, veste-se toda de preto – vestido e véu – deixando apenas seu rosto descoberto.  Alina é mais expansiva, não tem medo de falar o que pensa e de sentir o que sente. Voichita, por sua vez, prefere calar seus sentimentos, deixar-se conduzir pela voz e pensamento de um padre que fala em nome de Deus e da verdade.  Ela sofre em seu silêncio, mas não ousa enfrentar a vida fora da proteção do monastério.

E vai ser exatamente esta ovelha negra vestida de cores fortes que vai sacudir toda a “paz” daquele lugar “sagrado”. Alina, o elemento estranho àquele mundo, vai trazer à tona – sem que nunca os assuntos sejam de fato discutidos – alguns tabus da sociedade romena (e mundial), como o sexo e o  homossexualismo. Fora outras questões sociais como o sistema de saúde da Romênia, a falta de emprego para jovens, a pobreza, etc. Os holofotes, no entanto, estão voltados para a religião que cega, cala, manipula e empurra para debaixo do tapete o que deveria ser discutido. Mais fácil encaixá-los dentro da “lista de pecados previstos por Deus” e pedir perdão. Ou de culpar o Diabo, que invade os corpos e possui as almas inocentes, manipulando-as para o caminho do mal.

Todos os planos são pensados e compostos com esmero, explorando, em muitos casos, a profundidade do campo. Um belo exemplo é a cena em que as freiras estão todas na cozinha, preparando a comida e conversando, com suas roupas pretas compondo o quadro. Podemos ver com nitidez todas elas, sentadas à mesa, inclusive as que estão lá no fundo. Aliás, é justamente uma delas que comanda o diálogo, sua voz vindo lá do fundo (do arrière-plan).

Outro belíssimo exemplo de composição de plano é a cena, já bem perto do fim, quando todas as freiras e o padre estão de costas para nós espectadores, com suas escuridões (roupas pretas) cobrindo quase todo o quadro, e Voichita, vestida no pulôver de Alina, destaca-se no meio, com sua cor bege e iluminada. Ela é o centro das atenções. Ela está sendo julgada, mas também, julgando, apontando os erros e os crimes, inclusive os seus. Os holofotes estão sobre ela. Ela é a luz da verdade naquele instante. A verdadeira ovelha negra querendo ser branca. Querendo se punir, se purificar, se redimir de seus pecados. Linda cena!

Ah, há tanto o que ser dito sobre os não-ditos deste filme! Tantos planos para serem destacados, como o do hospital em que há um diálogo fantástico entre freira e médica – representando religião e ciência – com todo o simbolismo das cores branca e preta sendo ali questionados, contrastados e dispostos de maneira inteligente no quadro! (Desculpem-me, mas não consegui me conter, tinha que mencionar esta cena…) Daria certamente para desenvolver um longo texto, um belo estudo, porém este não é o espaço nem o momento.

Termino, então, por dizer que não foi em vão a escolha de Cristian Mungiu – premiado mais de uma vez em Cannes – para ser nesta edição 2013, membro do júri. Ele certamente tem “o olho” para o cinema!

Um filme PRA PENSAR.

 

 

A Viagem (2012)

•maio 23, 2013 • 2 Comments

Para ver o trailer, clique aqui!

Título original: Cloud Atlas      cloud-atlas-594x309

Origem: EUA

Diretor: Tom Tykwer, Andy Washowski, Lana Washowski

Roteiro: Tom Tykwer, Andy Washowski, Lana Washowski

Com: Tom Hanks, Halle Barry, Hugh Grant, Susan Saradon, Hugo Weaving

O título escolhido para o filme no Brasil não poderia ser mais preciso… Cloud Atlas é “a maior viagem”!!!

Baseada no livro do escritor britânico David Mitchell, publicado em 2004, grande sucesso de vendas e de crítica (ganhou British Book Award de Ficção Literária, foi pré-selecionado para o Man Booker Prize, etc), a versão cinematográfica não foi assim tão bem sucedida quanto o livro. Com um roteiro extremamente confuso, uma montagem desacertada, uma maquiagem de não se acreditar de feia para a tecnologia de hoje, o filme dá pena pelo que poderia ter sido e pelo bom elenco que tem: Susan Saradon, Hugh Grant, Tom Hanks, etc.

Se você ficou perdido quando assistiu Inception (2010), se demorou para se encontrar no roteiro de Matrix (1999) ou de Amnésia (2000), prepare-se para A Viagem.

A trama da mais recente realização dos irmãos Washowski e de Tom Tykwer é muito, mas muito mais complexa ainda! Pelo menos para mim e para minha família, que assistiu ao meu lado…

Não vou nem tentar contar a história do filme pois não sou capaz de repeti-la de forma coerente e inteligível. Reconheço aqui minha incompetência. Tudo o que posso dizer é que o filme conta seis histórias distintas, que acontecem em tempos (eras) diferentes e que se conectam  umas às outras. (Really?) Ou, pelo menos, isso é o que fazem crer as resenhas, artigos e críticas sobre o filme. E também sobre o livro de base, é claro.

Porém, entre a forma de narração do livro e aquela levada à tela, algo aconteceu. Algo “saiu do script”.

Passei as mais de duas horas do filme tentando entender as conexões e tentando encaixar as peças desse grande “puzzle”. E, pior, me sentindo a mais ignorante das ignorantes por não conseguir entender esse caleidoscópico roteiro.

Na manhã seguinte do filme (assisti à noite), ainda encucada e incomodada com minha incompetência, travei uma longa discussão sobre o filme com meu marido. Eis que chegamos a algumas conclusões:

  1. A mensagem mais clara (pra mim, pelo menos) é a de que em todas as épocas da história, a humanidade será sempre divida entre os que mandam e os que são mandados, entre os manipuladores e os manipulados;
  2. Por sorte, sempre há alguém – um ser iluminado – capaz de levantar sua voz em meio à multidão e caminhar na direção contrária, em busca de justiça e de liberdade;
  3. Infelizmente, na maior parte dos casos, essa voz que se ergue acaba sendo calada, o ser iluminado oferecendo-se em sacrifício;
  4. Mas nada é em vão, já que a mensagem de luta por justiça e liberdade acaba sendo passada. Nem que seja para uma única pessoa, que, por sua vez, levará adiante e recomeçará um novo ciclo, em uma nova era, lutando igualmente para fazer valer esse ideal.

E no meio de tudo isso, há  ainda questionamentos sobre reencarnação, religião, ética, moral, etc. Mas tudo é tãooooo confuso. Precisava ser assim?

Para entender melhor o filme, leia o excelente artigo do Zeca Camargo, no link abaixo, que explica bem melhor o filme. Quem sabe fica mais fácil entender essa VIAGEM!

Artigo Zeca Camargo

Os Amantes Passageiros (2013)

•maio 18, 2013 • Leave a Comment

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Título original: Los amantes pasajeros    Los-amantes-pasajeros-12_principalGaleriaApaisada

Origem: Espanha

Diretor: Pedro Almodóvar

Com: Lola Dueñas, Javier Cámara, Cecilia Roth, Raúl Arévalo, Pepa Charro

Depois da experiência sombria de A Pele que Habito (2011), Pedro Almodóvar está de volta ao estilo que o consagrou: as cores berrantes, o humor escrachado, satírico, exagerado, o universo kitsch e divertido com pequenas pitadas de drama aqui e acolá.

Por meio da história de um avião sem rumo, Almodóvar faz, neste seu último filme, uma alusão à situação atual da Espanha. Uma nação em plena crise, perdida, que voa sem destino certo. Um país que não sabe onde pousar, que procura desesperadamente seu “aeroporto seguro”.

A história se passa quase que inteiramente dentro de um avião, com planos fechados, dividindo-se entre a pequena cozinha, a cabine dos pilotos e a classe executiva da aeronave, lugar privilegiado, a que poucos têm acesso, quer seja no avião ou na sociedade espanhola. Lá, voam poucos passageiros: um casal de recém-casados; uma sensitiva virgem, incumbida de encontrar uma pessoa desaparecida no México; uma ex-atriz, cafetina de renome; um empresário de sucesso; um ator de cinema; e um político importante. Representantes excêntricos da elite emergente espanhola.

O destino é a Cidade do México. Porém, por um erro “bobo” da equipe de solo (Antonio Bandeiras e Penélope Cruz), o avião decola sem trem de pouso. E por isso, não pode continuar viagem, não pode atravessar o oceano, correndo o risco de não conseguir pousar em seu destino tão distante.

Piloto e copiloto são, então, orientados a ficar sobrevoando a Espanha até que tenham a autorização de algum aeroporto para pousarem. Só que isso não acontece. E eles ficam dando voltas e mais voltas no espaço aéreo espanhol, queimando combustível e a esperança de saírem desta situação com vida.

Temendo que o pânico tome conta dos passageiros, eles resolvem manter a situação em sigilo. Os passageiros da classe econômica são logo postos para dormir, juntamente com a tripulação responsável por servi-los. A eles é dado um sonífero misturado às suas bebidas, para que nada vejam, nada digam, nada reclamem. Uma bela alusão à classe trabalhadora, que nada pode, nada tem e muito perde com esta crise.

Já a tripulação responsável pela classe executiva – composta por três comissários homossexuais caricatos – não conseguindo manter segredo, deixa escapar o problema e o desespero começa a tomar conta de alguns passageiros-executivos. Os três mosqueteiros resolvem, porém, a todo custo manter a alegria de seus clientes, recorrendo para isso ao álcool, à música e a “otras cositas más”. Cenas de espetáculos musicais passam, então, a compor o cenário, com ângulos frontais dos personagens encarando os espectadores, como nos filmes dos primeiros tempos.

A partir daí, várias histórias serão, então, contadas, reveladas, desmascaradas, entrecruzando as vidas dos personagens da classe executiva da Espanha num patchwork colorido e divertido, mas, por vezes, demasiado caricaturizado.

Bastante interessante, sem dúvida, é a forma metafórica e irônica com que Almodóvar resolveu pintar e analisar seu país. Pena que ele se excedeu um pouco e exagerou na dose. O filme, que tinha tudo para ser “redondo”, acaba sendo escrachado demais, caricato demais, louco demais, perdendo um pouco de sua força. Por outro lado, Os Amantes Passageiros traz de volta “o velho e bom” Almodóvar, com toda a alegria, a cor e a língua afiada que tanto lhe são características.

Um filme leve, numa primeira leitura, mas que certamente denuncia um país sem direção, apontando-lhe o bom  humor como uma possível saída de emergência. PRA SE DIVERTIR e PRA PENSAR.

A Espuma dos Dias (2013)

•maio 11, 2013 • Leave a Comment

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Título original: L’Ecume des jours    4823816

Origem: Bélgica / França

Diretor: Michel Gondry

Roteiro: Boris Vian, Luc Bossi

Com: Audrey Tautou, Roman Duris, Omar Sy, Gad Elmaleh

Literalmente fantástico, A Espuma dos Dias é um filme que faz as metáforas da vida ganharem forma, luz e cor!

O filme é uma adaptação do livro de mesmo título de Boris Vian, escrito em 1947, e transformado em clássico absoluto entre os lycéens franceses.

A ideia de se transpor o livro às telas já corria pela França, porém o desafio era grande em virtude do universo onírico e surreal da história escrita por Vian. Eis que a solução surgiu pelas mãos do não menos surreal diretor Michel Gondry, autor de Brilho Eterno de uma Mente sem Lembrança (2004), O Besouro Verde (2011), The We and the I (2012), entre outros.

A história se passa na Paris de um passado indeterminado, com um cenário super retrô, repleto de invenções curiosas, com aquele ar de moderno-de-antigamente. Lá, vivem Colin (Roman Duris), um dandy que aprecia a boa música, a boa mesa e o dolce far niente; Nicolas (Omar Sy), seu cozinheiro, mentor e amigo; e Chick (Gad Elmaleh), um operário aficionado por Jean-Sol Bartre e seus ensinamentos existencialistas. A semelhança com Jean-Paul Sartre, obviamente, não é mera coincidência!

Chick é namorado de Alise (Aïssa Maïga), prima de Nicolas. Mas é, na verdade, muito mais apaixonado pela filosofia de Jean-Sol do que por sua namorada. O cozinheiro, por sua vez, é uma espécie de Don Juan, atraindo várias moças, entre elas a bela e rica Isis (Charlotte Lebon), com quem ele tem um relacionamento muito mais físico do que sentimental. Colin é, assim, o único “desapaixonado” do grupo. Situação, aliás, que o incomoda profundamente, já que ele sonha em se apaixonar como todo mundo!

Eis que um dia ele conhece Chloé (Audrey Tautou), uma jovem bonita, inteligente, delicada e sensível, por quem ele se apaixona perdidamente. Os dois se casam e vivem felizes até o dia em que Chloé fica doente e a vida começa devagarinho a desbotar. Ela tem uma flor crescendo dentro de seu pulmão. Uma flor que vai tudo vai mudar. E que vai pouco a pouco impedir os raios de sol de adentrarem a casa e o coração dos dois enamorados.

A crítica francesa foi bem severa com o filme de Gondry, afirmando que o excesso de efeitos visuais – feitos à moda antiga, diga-se de passagem – acabou por sufocar o jogo de atores e a emoção do romance vivido entre Chloé e Colin. Concordo em parte.

É verdade que o filme demora um pouco para “pegar”, sendo um pouco difícil para nós, espectadores, embarcarmos numa história tão abarrotada de simbolismos. Comidas vivas, feitas de tecido, pernas que se tornam elásticas ao dançarem, raios de sol que se materializam em forma de fios, um rato que é o espelho de seu dono… Elementos metafóricos que podem, vez por outra, desviar nossa atenção da história em si.

No entanto, a culpa talvez não esteja exatamente da overdose visual de Gondry, mas do excesso de tecnologia digital a que estamos acostumados hoje em dia. Uma tecnologia que vicia, que cega nossos olhos para outro tipo de realidade, ou pior, que confunde nossas mentes, não nos permitindo mais distinguir o real da ficção.

Certamente, Gondry poderia ter lançando mão “do famoso fundo verde” para recriar o universo de Vian diretamente no computador, como o fizeram tão bem James Cameron, Peter Jackson e tantos outros. Provavelmente, a coisa ficaria mais suave e mais verossímel para nós, espectadores do século 21. Afinal de contas, não assistimos e aplaudimos de pé Avatar ou Hobbit com suas overdoses de efeitos especiais e com suas histórias igualmente surreais?

Mas não. Gondry optou por deixar o absurdo com cara de absurdo. O surreal com cara de surreal. E talvez por isso ele tenha “pecado”. Talvez por isso esteja sendo punido pela crítica impiedosa dos franceses, seus compatriotas.

Apesar dos excessos, o filme é uma experiência bem interessante e válida, oferecendo-nos, de bandeja, uma porção de reflexões sobre a vida, a morte, religião, política, amor, amizade, etc.

É preciso, no entanto, abstrair-se da loucura, ou, ao contrário, deixar-se levar pela loucura do visual para adentrar o universo poético do filme.  Para se deixar tocar pela beleza dos simbolismos ali expostos. Para conseguir se identificar, por exemplo, com as cores que desaparecem à medida em que a vida vai perdendo o sentido. Ou com os espaços que diminuem à medida em que a angústia comprime nosso peito. Uma paleta de sensações que normalmente expressamos por meio de metáforas e que, no livro de Vian e no filme de Gondry, tomam forma e viram “realidade”.

Assim sendo e, contrariando alto e bom som a crítica francesa, recomendo fortemente A Espuma dos Dias de Gondry. Sem falar no livro de Boris Vian, que já estou morrendo de vontade de ler. Um filme PRA PENSAR.

* A revista Les Inrock postou em seu site um vídeo com um de seus críticos dando 3 razões para não se ir assistir ao filme de Gondry. Todas 3 relacionadas ao excesso de “efeitos”.

 

 

Viramundo (2013)

•maio 4, 2013 • Leave a Comment

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Título original: Viramundo     viramundo

Origem: Suíça

Diretor: Pierre-Yves Borgeaud

Roteiro: Pierre-Yves Borgeaud

Com: Gilberto Gil, Vusi Mahlasela, Shellie Morris, Peter Garrett

Há praticamente um ano, escrevi, aqui neste blog, sobre a emoção que tinha sido assistir à estreia de Tropicália (2012), de Marcelo Machado, no Visions du Réel, festival que acontece em Nyon (Suíça), uma cidade bem pertinho daqui de onde moro.

Neste ano, ao ler na programação que haveria um filme sobre o Gilberto Gil – Viramundo (2013) -, fiquei com vontade de repetir a dose. Qual não foi minha surpresa ao constatar que o diretor desse documentário era suíço. Isso mesmo. Um suíço, de nome Pierre-Yves Borgeaud, que – junto com o produtor Emmanuel Gétaz – interessado pela música e pela cultura brasileiras, resolveu levar às telas, uma série de entrevistas (ou conversas) feitas por ninguém mais ninguém menos do que o tropicalíssimo Gilberto Gil.

Tentei comprar ingresso para assistir à estreia, em presença do próprio Gil, mas, infelizmente, meus 6 dias de antecedência (estava me achando super organizada!) não foram suficientes para barrar a organização tão peculiar do povo destas bandas. Acabei tendo que ir assistir a uma sessão diurna, hoje, sem Gil.

A sala estava, no entanto, abarrotada. Fiquei abismada. Ou o diretor é super badalado ou o Gilberto Gil é bastante conhecido por aqui, pensei. Ou talvez os suíços tenham querido prestigiar um diretor local com uma visão global. Não sei, não tenho respostas, obviamente. Apenas a constatação de uma sala cheia, faltando lugar para quem queria. Cheguei com 15 minutos de antecedência e tive que sentar na primeira fileira, o que me fez ficar de pescoço duro, olhando para uma tela grudada no meu nariz.

Mas valeu a pena! Uma senhora ao meu lado, muito chique e educada, me disse: que pena que o Monsieur Gil não estará presente nesta séance, não é? E fiquei pensando comigo: Poxa, essa senhora sabe quem é Gil, gostaria até que ele estivesse aqui presente… Uau! Tudo isso é muito interessante de viver!

Bom, depois de umas trocas de palavras com esta senhorinha muito simpática que me disse ter sentado ali, bem na frente, em função de um problema de vista, as luzes se apagaram e o espetáculo, enfim, começou.

Espetáculo, sim, pois, mais do que um documentário, o filme é também um show! Com músicas de artistas desconhecidos ou pouco conhecidos para a maioria de nós ocidentais, como Vusi Mahlasela, grande figura da canção engajada sul-africana. Sem falar nos diálogos riquíssimos, plenos de filosofia e de poesia, que alinhavam o roteiro.

Mas o filme não é exatamente sobre Gilberto Gil. Ele, nosso ex-ministro, desempenha muito mais um papel de fio condutor, de ligação entre mundos, em princípio tão distantes, mas que têm tanto em comum. O nosso Gil é, na verdade, o entrevistador, o mensageiro, o descobridor e o conciliador das diferentes culturas (brasileira, australiana e africana). Ele é o cara que vai em busca de uma identificação, de uma ligação entre esses povos colonizados e, até hoje, discriminados. Povos autóctones que têm sua cultura constantemente ameaçada de extinção.

Por sua condição de artista, colonizado e mestiço que conseguiu tornar-se Ministro da Cultura (um vencedor!) de um país enorme como o Brasil, ele acaba sendo o personagem ideal para conduzir esta viagem.

O ponto de partida é a Bahia, terra natal de Gil, e de onde o cantor se inspira e assume suas origens. Imagens do povo brasileiro nas ruas, de trios elétricos e dos Filhos de Gandhy compõem o cenário.

A primeira parada é na Austrália, onde, depois de boa conversa com Peter Garrett – atual Ministro da Cultura, ex-cantor do grupo de rock Midnight Oil –  Gil vai até o norte do país para conhecer de perto a música, os rituais e a maneira de viver desse povo. É a parte mais longa do documentário, com direito a momentos de grande emoção, como quando Gil conversa com Shellie Morris, cantora aborígene, adotada e criada por brancos, e que resolve, já em idade adulta, ir atrás de suas origens. Ela é dona de uma voz poderosa, forte, impregnada de sentimentos, do tipo que toca lá no fundo da alma.

De lá, Gil parte para a Africa do Sul – Soweto e Mamelodi – onde vai conhecer a MIAGI Youth Orchestra, uma orquestra que reúne músicos brancos, negros e mestiços, num projeto que tem como objetivo a miscigenação das raças e das culturas por meio da música. Orquestra essa que vai depois tocar no show que Gil dará junto com o respeitado Vusi Mahlasela. Total momento de espetáculo do filme! Dá até vontade de levantar e bater palmas!

Por fim, na última parte de Viramundo, Gil desemboca em águas amazônicas – precisamente em São Gabriel da Cachoeira – apresentando-nos, em nossa pátria mãe gentil um exemplo parecido de resistência cultural. E, assim como em vários outros momentos do filme, ele explicita sua crença na tecnologia como ferramenta de inclusão dessas populações autóctones na grande aldeia global em que vivemos, defendendo ser possível conciliar progresso e tradição.

Viramundo, além de ser um ótimo documentário,  é também um excelente registro antropológico, musical e social de povos ainda muitas vezes esquecidos nesta segunda década do século XXI.

Um filme PRA PENSAR, sem dúvida.

Festival Varilux de Cinema Francês 2013

•maio 3, 2013 • Leave a Comment

Salut mes amis cinéphiles!

Aos amantes da sétima arte, aí vai uma dica imperdível:

Festival Varilux de Cinema Francês 2013
varilux

De 1° a 16 de maio,  15 filmes franceses de excelente qualidade estão sendo exibidos em 40 cidades brasileiras.

A seleção inclui filmes atuais, de diversos gêneros, muitos deles ainda inéditos no Brasil.

Você pode ler a crítica de 4 deles aqui neste blog: Populaire (2012), Au Bout du Conte (2012), Les Saveurs du Palais (2012) e De Rouille et d’Os (2012). Procure pelo título em francês dentro do link Cinemateca / críticas, à direita da tela.

Para ver a programação e escolher seu filme, clique aqui!

Allez, vite! Et bon film!

Secret Cinema

•abril 29, 2013 • Leave a Comment

Nas minhas pesquisas atuais, acabei esbarrando com esse site maravilhoso que, embora não tenha nada a ver com meu tema, me deixou super animada e morrendo de vontade descobrir um pouco mais!

Trata-se do Secret Cinema, uma nova maneira de ir ao cinema e de viver a magia da sétima arte.  secret_cinema_people

Criado pelo grupo Future Cinema de Londres, a experiência é dirigida aos “loucos por cinema”, cinéfilos ávidos por reverem alguns dos grandes clássicos da história, só que de uma maneira um pouco diferente.

Detalhe: As sessões são secretas. Os filmes a serem vistos também são secretos. Os locais de exibição, idem. A única coisa que se sabe, na verdade, é a cidade em que o filme vai ser exibido. Mais nada!

Isso porque, muito mais do que simplesmente ir assistir a um filme, o que o Secret Cinema propõe é uma vivência cinematográfica, uma experiência nova que envolve performance, cenários,  figurinos, etc. Deixando, assim, os espectadores, com aquele gostinho de fazer parte de seus filmes preferidos.

Entre abril e junho deste ano, as sessões secretas acontecerão em Londres, Nova Iorque e Atenas.

Estou torcendo para que chegue logo por aqui. E por aí, claro!

Para saber mais, clique aqui!

American Vagabond (2013)

•abril 26, 2013 • Leave a Comment

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Título original: American Vagabond     american-vagabond

Origem: Finlândia /Dinamarca

Diretora: Susanna Helke

Roteiro: Susanna Helke

Com: James Temple, Tyler Johnson, Sandy Temple, Jim Temple,

Acabo de chegar de mais um filme apresentado no Festival Visions du Réel, aqui de Nyon. Desta vez meu selecionado foi uma produção finlandesa / dinamarquesa, dirigida por Susanna Helke, uma premiada realizadora de documentários.

A história se passa nos Estados Unidos de hoje e narra a vida de James Temple, um homossexual de 17 anos, que, sem encontrar apoio familiar, deixa sua casa, na pequena cidade de Chico,  nos EUA, a fim de tentar a sorte naquela que ele imagina ser o paraíso dos gays: São Francisco.

Ele parte em companhia de seu namorado Tylor Johnson, um ano mais velho que ele, e que, obviamente, tampouco é aceito por sua família. Os dois vão apenas com uma malinha, duas mochilas, duas raquetes de tênis (símbolos da esperança de uma vida decente) e com seus respectivos sacos de dormir, para serem usados nos primeiros dias, até encontrarem emprego e ajeitarem a vida. Em seus sonhos, eles se veem vivendo em uma cidade livre de preconceitos e fervilhando de oportunidades. Taylor, com sua maioridade e seu conhecimento de informática vai logo poder “descolar um bico” e os dois vão ser felizes para sempre, longe dos insultos paternos e da conivência de uma mãe fraca e impotente, dividida entre seus sentimentos, suas crenças religiosas, e a influência de um marido machista.

Acontece que as coisas não vão sair bem como planejado. E as cores do arco-íris, vislumbradas pelo casal, acabam se esvanecendo rapidamente. O mundo que descobrem é um mundo cinza e frio, com ruas, prédios e almas cinzas, como diz James em uma de suas falas.

O filme é, aliás, praticamente todo narrado por James e conduzido por ele. A câmera, em muitas ocasiões, substitui seus olhos e nos faz ver o que está à sua frente. Outras vezes, ela parece que tem vida própria, é sua companheira nesta vida-bandida de errante, tão homeless quanto ele. Uma sacada fantástica da diretora, que nos oferece uma câmera desnorteada, perambulando lentamente pelas ruas, pelos parques e por debaixo de pontes, em busca de um lugar para pousar, para descansar o corpo e o espírito. Sempre acompanhada por uma bela música triste.  O que aumenta mais o nosso pesar.

American Vagabond é, sem dúvida, um filme triste, angustiante, mas necessário. Um filme que nos joga na cara de maneira sensível, delicada e direta, o mal que podemos fazer a nossos filhos ao não aceitarmos ou respeitarmos suas escolhas de vida. Um filme que nos joga também na cara o quão hipócrita é a nossa sociedade. No caso aqui, a sociedade norte-americana, mas, definitivamente, não acho que possamos nos excluir dessa categoria! Uma mãe que diz que entende o filho, mas que não faz nada para impedir os abusos de um pai ignorante e estúpido, na verdade, não entende de verdade o filho. Apenas finge para passar por boazinha. Uma mãe que tem plena consciência de que o filho está passando fome e frio e nada faz para ajuda-lo,  não pode entender seu filho. Uma mãe que reza pedindo a ajuda de Deus, mas que nada faz de prático, definitivamente, não aceita de fato a sexualidade do filho.

Não que a questão seja simples ou fácil para todos. Não, não é isto que estou dizendo, e, nem acho que seja esse o propósito do filme. Trata-se muito mais de alertar-nos sobre a necessidade de se rever uma porção de questões oriundas das tradições de uma sociedade extremamente conservadora. E que, muitas vezes aceitamos, sem maiores questionamentos. Trata-se, também, de abrir nossos olhos e nossos corações para a compreensão e o respeito. Respeito pelas escolhas individuais. Compreensão para enxergar que, independentemente da escolha sexual feita, um filho é e sempre será um filho.  Isso não muda um só grama do que ele é em sua essência.

Certamente, para alguns pais, o tempo de entendimento da situação, ou mesmo de aceitação do fato, será maior ou menor, a depender do grau de “poluição” de sua alma. É preciso, no entanto, se esforçar, dar uma chance e tentar deixar a sensatez, o bom senso e o amor falarem mais alto.  Senão, o preço que se pode pagar depois pode ser bem alto. E nada, absolutamente, nada, substitui o amor e a convivência de um filho.

Um filme PRA PENSAR e PRA SE ANGUSTIAR.

O processo do Cinema Novo

•abril 23, 2013 • Leave a Comment

Para quem quer entender um pouco mais sobre o que foi o Cinema Novo no Brasil, uma excelente dica é o livro O processo do Cinema Novo, de Alex Viany, publicado pela editora Aeroplano em 1999.

Alex Viany (1918-1992) foi crítico, cineasta e amigo próximo do pessoal do Cinema Novo.  foto 3

O livro reúne entrevistas, debates e conversas com os protagonistas do movimento, revelando-nos seus diferentes pontos de vistas sobre esse momento tão importante na história do cinema brasileiro.

Uma leitura leve e fácil (apesar das suas 500 páginas), com linguagem coloquial e conteúdo extremamente rico!

 
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