Título original: The Revenant
Origem: EUA
Direção: Alejandro González Iñárritu
Roteiro: Alejandro González Iñárritu, Mark L. Smith, Michael Punke (livro)
Com: Leonardo DiCaprio, Tom Hardy, Domhanall Gleeson, Will Poulter, Paul Anderson, Forrest Goodluck
A corrida para o Oscar já começou há algum tempo, mas só agora estou tendo a oportunidade de começar a assistir aos filmes-candidatos de 2016. Abro hoje, então, os trabalhos com aquele que obteve o maior número de indicações – 12 no total – à premiação concedida pela Academia de Artes e Ciências Cinematográficas Americana: O Regresso.
Filmão, a ser visto impreterivelmente no cinema, poético, tenso, denso, sublime e sangrento.
Baseado no livro de Michael Punke, O Regresso conta a história (verídica, apesar de inverossímil) de sobrevivência de Hugh Glass, um caçador de peles de animal e espécie de guia nas terras geladas do norte dos Estados Unidos, fronteira com Canadá. Personagem magnificamente interpretado por Leonardo DiCaprio, que tem grande chance de levar a estatueta dourada neste ano.
No início do século 19 (por volta de 1820), Glass, acompanhado de seu filho mestiço Hawk (Forrest Goodluck), tem como missão auxiliar um grupo de mercenários (caçadores de pele) e oficiais americanos a atravessar os “desertos” gelados do Missouri. Uma região bela e hostil, habitada por animais selvagens e índios das tribos Pawnee e Ree (Arikaree), e extremamente disputada por americanos e franceses que buscam na caça aos animais (e às suas peles) a solução para o frio, para os seus bolsos e para suas conquistas territoriais.
Dentro do grupo há John Fitzgerald, também magnificamente interpretado por Tom Hardy, um homem incrédulo que odeia índios e que não enxerga em Glass nada além de um inimigo. A razão principal para tanta animosidade é o passado “duvidoso” do rapaz: filho com uma Pawnee e assassinato de um oficial americano. Depois então que Glass é atacado por um urso fêmea e fica entre a vida e a morte, tornando-se um peso para a expedição, Fitzgerald encontra ainda mais motivos para descarta-lo do grupo. Assim, quando encarregado de cuidar do moribundo, enterra-o (não totalmente) ainda com vida em uma cova e o abandona naquela imensidão gelada.
A partir daí começa a saga de Glass, um homem com feridas profundas que renasce para se vingar de seu algoz.
E para contar essa história de amor e vingança, Iñárritu foi buscar no olhar certeiro e poético do diretor de fotografia Emmanuel Lubezki seu maior trunfo. O já “oscarizado” diretor de fotografia de Gravity (2013) e Birdman (2014) tem mais uma vez grandes chances de levar neste ano, a terceira consecutiva.
Sublime talvez seja a palavra mais acertada para definir a estética de O Regresso. Uma natureza bela e aterrorizante, que fascina e amedronta, filmada com maestria. Planos-sequências, planos estáticos, planos longos, primeiros planos, closes, planos curtos, tudo se alterna, complementa e intercala. Planos filmados com uma câmera bailarina (ou guerreira) que acompanha de perto o movimento dos personagens, nos fazendo viver cada cena. Batalhas filmadas com realismo, com flechas atravessando corpos, muito sangue e muita agitação contrastam com a beleza de longos planos calmos de paisagens encantadoras que demonstram a pequenez do homem diante da natureza.
Iluminação natural, sem efeitos, que trazem ainda mais realismo para o cenário de O Regresso complementam a estética de O Regresso. Difícil dizer quais cenas merecem destaque, são tantas… talvez me arriscasse em assinalar a que Glass se torna um pontinho preto no meio do vasto branco já na segunda metade do filme, ou a linda cena do céu visto em contra-plongée absoluto, ao som da respiração do protagonista, ou ainda o primeiro plano-sequência, logo após o prólogo, em que, com uma câmera baixa sobrevoamos algo que parece ser um riacho, à altura dos pés dos personagens. Não sei… são tantos momentos sublimes!
Uma cena que marca, não só pela estética, mas, sobretudo, pelo que ela representa no filme é aquela em que Glass tira as tripas do cavalo para se abrigar em seu ventre. Momento em que vemos a necessidade de proteção materna (e/ou paterna) para, em seguida, vermos o renascer do animal homem. A simbiose homem natureza, homem animal, lindamente representada por um plano em plongée absoluto em que o vermelho ganha destaque na imensidão branca.
O aspecto “família” (maternidade, paternidade), aliás, é central no filme, um verdadeiro leitmotif que move seres de tribos, raças e espécies tão distintas. Todos, ou quase todos ali, são movidos por questões familiares: o índio que sai em busca da filha raptada, Glass que quer vingar a morte de sua família, o índio que aparece mais tarde na historia e que erra pelo mundo depois de ter perdido sua esposa ou ainda a ursa que ataca para proteger seus filhotes… Um tema universal que transcende culturas, línguas, regiões geográficas, credos religiosos, etc.
Com este filme épico-poético, Iñarritú continua a esbanjar talento, tornando-se um forte candidato na corrida ao Oscar. Se tivesse que assinalar um senão do filme, seria o ritmo. A duração não ajuda, claro! O filme é longo e em alguns momentos acaba pesando um pouco, fica muito lento, talvez dispersando a atenção de alguns espectadores. Talvez um equilíbrio melhor entre cenas de ação e cenas de contemplação tivessem ajudado neste quesito. Mas nada que tire o brilho deste filme que veio para entrar na história.
Um filme PRA SE ANGUSTIAR e PRA CONTEMPLAR.
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