Reis & Rainha (2004)
Título original: Rois & Reine
Origem: França
Direção: Arnaud Desplechin
Roteiro: Arnaud Desplechin, Roger Bohbot
Com: Emmanuelle Devos, Mathieu Amalric, Olivier Rabourdin, Catherine Deneuve, Noémie Lvovsky, Geoffrey Carey
Uma rainha e vários reis. Um filme que começa em equilíbrio, se descompõe, se despedaça, e vai pouco a pouco sendo reconstruído. Um roteiro original, “labiríntico”, interessante, que surpreende e acaba por emocionar.
Reis & Rainha conta a história de Nora (Emmanuelle Devos), uma mulher na casa dos trinta, mãe do menino Elias, viúva e prestes a se casar com um rico empresário (seu terceiro relacionamento sério). Ela trabalha em uma galeria de artes em Paris e, ao que tudo indica (até pelo tom suave de sua voz), parece levar uma vida tranquila e feliz.
Bem no início do filme, Nora viaja para visitar seu pai em Grenoble e para ver o filho. Ele está cuidando do neto durante as férias. Lá, ela descobre que o velho está muito doente, com poucos dias de vida.
Ao mesmo tempo, vamos vendo, em cenas intercaladas, a história de Ismaël (Mathieu Amalric). Um violonista decadente, culto, que leva a vida de forma extremamente desorganizada (caótica e de certa maneira exótica) e que, por estas e por outras, é internado à força em um hospital psiquiátrico.
Pouco a pouco vamos descobrindo as conexões entre as duas histórias, que se cruzam e entrecruzam em muitos pontos até se mostrarem partes de um todo. Ismaël foi o segundo companheiro de Nora.
Até aí nada de muito original! Porém, a forma escolhida por Desplachin, ou melhor, as formas escolhidas para contar estas histórias é que são, elas sim, originais.
Para começar, a própria montagem paralela – com seus vais-e-vens, e os diversos estilos estéticos utilizados para diferentes cenas, sem que exista aí um padrão reconhecível – surpreende. Na primeira sequência, em estilo de depoimento, Nora olha para câmera, nos olhando nos olhos, apresenta-se e começa a contar sua história, como se estivesse em uma sessão de terapia. A trilha é suave e a iluminação também. Tons claros e ensolarados dominam esta primeira sequência e as outras que se seguem. Depois, esse estilo depoimento é abandonado para só ser retomado na sequência final do filme.
Em seguida, penetramos no universo de Ismaël, um mundo muito mais escuro, perturbado, representado por uma câmera com movimentos abruptos (horizontal e vertical), uma voz mecânica, vinda da secretária eletrônica, cheia de raiva, energia e força, e uma música bem mais vigorosa.
Mas estes padrões não ficam se repetindo ao longo do filme. Eles também vão se intercalando, se misturado, se modificando. Assim como as naturezas dos personagens, em princípio tão distintas, e que vão, aos poucos, mostrando outras facetas.
É verdade que o filme demora um pouco para pegar. Talvez consequência justamente do formato quebra-cabeça, com muitas informações fornecidas de maneira entrecortadas. Ou devido ao excesso de flash-backs que, por sua vez, são também de vários tipos: ora compostos por cenas estáticas, como se saídas de uma peça de teatro, ora registrados por uma câmera inquieta; às vezes, formados por imagens de arquivo; em outros casos, simplesmente sem nenhuma diferença entre passado e presente, ou entre sonho e realidade. Sem falar do turbilhão de temas tratados (solidão, coragem, amor, ódio, rancor, família, verdade, mentira, loucura, razão… tudo está em jog0!) e dos diversos gêneros que o filme incorpora. Trata-se de uma espécie de vale tudo! Mas um vale tudo que dá certo, que atinge o objetivo e que toca.
Pode parecer um samba-do-crioulo-doido (como diria minha mãe), e, de certa maneira, o é. Mas Reis & Rainha é bem interessante, original e há revelações surpreendentes, mostrando que nem sempre somos o que parecemos ser. Ou melhor, que os caminhos que percorremos para alcançar a nossa paz (ou felicidade) nem sempre são os mais floridos nem nobres.
PRA PENSAR