Bem-Vindo (2009)
Título original: Welcome
Origem: França
Direção: Philippe Lioret
Roteiro: Philippe Lioret, Emmanuel Courcol, Olivier Adam
Com: Vicent Lindon, Firat Ayverdi, Audrey Dana, Derya Ayverdi, Olivier Rabourdin
Em tempos escurecidos por tantas mortes de imigrantes clandestinos que tentam alcançar o solo europeu, Bem-Vindo não poderia ser mais atual (mesmo que lançado há seis anos).
Convincente, denso, profundo e tão real… o filme de Philippe Lioret traz a triste marca da verdade. Pessoas de todas as idades, de diversas nacionalidades, que andam quilômetros, correm perigos absurdos, são maltratados, discriminados, simplesmente com o intuito de ter uma vida digna.
Bem-Vindo trata da questão da imigração ilegal na França, especificamente em Calais, cidade portuária ao noroeste do país, ponto de contato com a Inglaterra. E por isso mesmo, lugar de grande concentração desta população migrante, o que divide a comunidade entre os que ajudam os ilegais (voluntários que distribuem comida, organizam dormitórios, distribuem cobertores, etc.) e aqueles que os querem bem longe dali.
Lá, o professor de natação Simon (Vicent Lindon), separado, ranzinza e em pleno processo de divórcio, vai se ver envolvido com o drama do jovem curdo Bilal (Firat Ayerdi) de 17 anos. O rapaz, também conhecido como “Bazda” (o corredor) por suas habilidades atléticas, sonha em reencontrar sua namorada em Londres e está disposto a tudo para alcançar seu objetivo. No entanto, o pai da moça é contra o namoro e já está providenciando um casamento para a filha. O tempo urge. E Bilal precisa achar logo uma maneira par atravessar o Canal da Mancha, driblando o controle de fronteira. Porém, o esquema mais utilizado pelos ilegais – escondidos em caminhões, misturados às cargas – é extremamente penoso para o jovem já traumatizado em sua saída do Iraque. Ele decide, então, que vai atravessar a nado. E é este desejo que vai unir seu destino ao de Simon, que passará a lhe dar aulas de natação.
Filmado de forma quase sempre naturalista, optando pelos tons escuros, o filme vai direto ao ponto, assumindo às vezes um ar de documentário. Até porque a situação destes refugiados não é ficção. Tampouco o cenário, que é bem real. Muitas cenas são, inclusive, filmadas no “quai de la soupe” – lugar no porto de Calais onde os voluntários se instalam à noite para distribuir sopa para os refugiados. O filme não se prende, então, às questões estéticas e tampouco às questões políticas (embora seja extremamente político). Trata-se, na verdade, de um filme bem equilibrado, onde o social, o político e o humano estão em perfeita sintonia. A história de Simon e de sua ex-mulher, por quem ele é ainda apaixonado, assim como a própria motivação romântica e inocente de Bilal (reencontrar sua amada), ajudam a dar este equilíbrio, sem deixar, porém, que tome conta do filme, transformando-o em um drama romântico. Os dois romances são apenas um pano de fundo, mas dão leveza a este tema tão sério e grave que é o da imigração clandestina.
O elenco de refugiados é formado basicamente por atores não profissionais. O próprio ator que interpreta Bilal, assim como a atriz que faz sua namorada Mina (Derya Ayverdi), por exemplo, e que são irmãos na vida real, nunca haviam atuado em filmes. Uma fórmula que deu certo, pois junto com o experiente Vicent Lindon o estreante Firat Ayerdi dá show. Ambos são extremamente convincentes em suas interpretações, tocando-nos de maneira quase cruel de tão verdadeiras. O olhar ingênuo, sonhador e esperançoso de Bilal é de cortar o coração de qualquer um. Enquanto que o olhar vivido de Simon – às vezes arrependido, às vezes decidido, às vezes cheio de coragem, às vezes cheio de medo – penetram em nossa alma, mexem pra valer com nossos sentimentos.
O filme levanta, assim, todo um questionamento sobre a política de acolhimento aos imigrantes na França, com seus acampamentos para refugiados, a “catalogação” dos indivíduos, que recebem números pintados em suas peles, as inúmeras associações de voluntários que estão sempre em busca de apoio, mas vivem no limite entre o crime e a boa ação. Questionamento este que pode também ser estendido hoje para países como Itália, Grécia, Espanha, Turquia e tantos outros que recebem a cada dia dezenas de imigrantes fugidos dos horrores da guerra em seus países de origem.
Bem-vindo foi um grande sucesso de bilheteria na França, mas, como era de se esperar, dividiu as opiniões entre os que defendem o direito de ajudar os imigrantes ilegais e aqueles que enxergam problemas em sua presença em solo francês. Seu impacto foi tamanho que chegou mesmo a influenciar a redação de um projeto de lei para descriminalizar a ajuda ao imigrante ilegal, que foi amplamente discutido, porém não aprovado. O nome do projeto de lei: Welcome.
Independente dos resultados, é interessante constatar o poder de mobilização de um filme. Que venham outros assim, capazes de levantar tanta polêmica, de gerar tantas discussões, manifestações, projetos de leis, mesmo que não aprovados… Filmes que nos façam, ao menos, refletir. E que este incrível poder que tem a sétima arte de nos colocar em diferentes papéis permita-nos também enxergar por outros ângulos uma mesma história.
PRA PENSAR.