Viramundo (2013)
Origem: Suíça
Diretor: Pierre-Yves Borgeaud
Roteiro: Pierre-Yves Borgeaud
Com: Gilberto Gil, Vusi Mahlasela, Shellie Morris, Peter Garrett
Há praticamente um ano, escrevi, aqui neste blog, sobre a emoção que tinha sido assistir à estreia de Tropicália (2012), de Marcelo Machado, no Visions du Réel, festival que acontece em Nyon (Suíça), uma cidade bem pertinho daqui de onde moro.
Neste ano, ao ler na programação que haveria um filme sobre o Gilberto Gil – Viramundo (2013) -, fiquei com vontade de repetir a dose. Qual não foi minha surpresa ao constatar que o diretor desse documentário era suíço. Isso mesmo. Um suíço, de nome Pierre-Yves Borgeaud, que – junto com o produtor Emmanuel Gétaz – interessado pela música e pela cultura brasileiras, resolveu levar às telas, uma série de entrevistas (ou conversas) feitas por ninguém mais ninguém menos do que o tropicalíssimo Gilberto Gil.
Tentei comprar ingresso para assistir à estreia, em presença do próprio Gil, mas, infelizmente, meus 6 dias de antecedência (estava me achando super organizada!) não foram suficientes para barrar a organização tão peculiar do povo destas bandas. Acabei tendo que ir assistir a uma sessão diurna, hoje, sem Gil.
A sala estava, no entanto, abarrotada. Fiquei abismada. Ou o diretor é super badalado ou o Gilberto Gil é bastante conhecido por aqui, pensei. Ou talvez os suíços tenham querido prestigiar um diretor local com uma visão global. Não sei, não tenho respostas, obviamente. Apenas a constatação de uma sala cheia, faltando lugar para quem queria. Cheguei com 15 minutos de antecedência e tive que sentar na primeira fileira, o que me fez ficar de pescoço duro, olhando para uma tela grudada no meu nariz.
Mas valeu a pena! Uma senhora ao meu lado, muito chique e educada, me disse: que pena que o Monsieur Gil não estará presente nesta séance, não é? E fiquei pensando comigo: Poxa, essa senhora sabe quem é Gil, gostaria até que ele estivesse aqui presente… Uau! Tudo isso é muito interessante de viver!
Bom, depois de umas trocas de palavras com esta senhorinha muito simpática que me disse ter sentado ali, bem na frente, em função de um problema de vista, as luzes se apagaram e o espetáculo, enfim, começou.
Espetáculo, sim, pois, mais do que um documentário, o filme é também um show! Com músicas de artistas desconhecidos ou pouco conhecidos para a maioria de nós ocidentais, como Vusi Mahlasela, grande figura da canção engajada sul-africana. Sem falar nos diálogos riquíssimos, plenos de filosofia e de poesia, que alinhavam o roteiro.
Mas o filme não é exatamente sobre Gilberto Gil. Ele, nosso ex-ministro, desempenha muito mais um papel de fio condutor, de ligação entre mundos, em princípio tão distantes, mas que têm tanto em comum. O nosso Gil é, na verdade, o entrevistador, o mensageiro, o descobridor e o conciliador das diferentes culturas (brasileira, australiana e africana). Ele é o cara que vai em busca de uma identificação, de uma ligação entre esses povos colonizados e, até hoje, discriminados. Povos autóctones que têm sua cultura constantemente ameaçada de extinção.
Por sua condição de artista, colonizado e mestiço que conseguiu tornar-se Ministro da Cultura (um vencedor!) de um país enorme como o Brasil, ele acaba sendo o personagem ideal para conduzir esta viagem.
O ponto de partida é a Bahia, terra natal de Gil, e de onde o cantor se inspira e assume suas origens. Imagens do povo brasileiro nas ruas, de trios elétricos e dos Filhos de Gandhy compõem o cenário.
A primeira parada é na Austrália, onde, depois de boa conversa com Peter Garrett – atual Ministro da Cultura, ex-cantor do grupo de rock Midnight Oil – Gil vai até o norte do país para conhecer de perto a música, os rituais e a maneira de viver desse povo. É a parte mais longa do documentário, com direito a momentos de grande emoção, como quando Gil conversa com Shellie Morris, cantora aborígene, adotada e criada por brancos, e que resolve, já em idade adulta, ir atrás de suas origens. Ela é dona de uma voz poderosa, forte, impregnada de sentimentos, do tipo que toca lá no fundo da alma.
De lá, Gil parte para a Africa do Sul – Soweto e Mamelodi – onde vai conhecer a MIAGI Youth Orchestra, uma orquestra que reúne músicos brancos, negros e mestiços, num projeto que tem como objetivo a miscigenação das raças e das culturas por meio da música. Orquestra essa que vai depois tocar no show que Gil dará junto com o respeitado Vusi Mahlasela. Total momento de espetáculo do filme! Dá até vontade de levantar e bater palmas!
Por fim, na última parte de Viramundo, Gil desemboca em águas amazônicas – precisamente em São Gabriel da Cachoeira – apresentando-nos, em nossa pátria mãe gentil um exemplo parecido de resistência cultural. E, assim como em vários outros momentos do filme, ele explicita sua crença na tecnologia como ferramenta de inclusão dessas populações autóctones na grande aldeia global em que vivemos, defendendo ser possível conciliar progresso e tradição.
Viramundo, além de ser um ótimo documentário, é também um excelente registro antropológico, musical e social de povos ainda muitas vezes esquecidos nesta segunda década do século XXI.
Um filme PRA PENSAR, sem dúvida.