Título original: Summer of Soul (…or, when the revolution could not be televised)
Direção: Ahmir “Questlove” Thompson
Elenco: Stevie Wonder, Marilyn McCoo, Billy Davis Jr, Luis Miranda, Jesse Jackson
Se você é fã de blues, soul, gospel e de música boa em geral, pára tudo e corre para assistir a “Summer of Soul (…ou quando a revolução não pôde ser televisionada), 2021. Dirigido pelo músico e produtor musical Ahmir “Questlove” Thompson, o filme concorre ao Oscar de Melhor Documentário, já tendo levado o BAFTA desta categoria e de ainda estar indicado ao Grammy de Melhor Filme Musical.
Esses prêmios e nomeações não são à toa. O filme é arrepiante e mostra imagens praticamente desconhecidas de um festival organizado no Harlem em 1969, mesmo ano em que acontecia o famoso Woodstock, do qual todos temos notícias. Mas, como costuma acontecer com os eventos que envolvem negros, assim como com sua própria História, esse capítulo de 1969 foi simplesmente apagado das telas e dos livros, apesar de ter sido filmado por Hal Tulchin a pedido do produtor e apresentador do festival, Tony Lawrence. Foram mais de 40 horas de filmagem, só “redescobertas” em 2004 pelo arquivista do Historic Films Archive, Joe Lauro, que catalogou e digitalizou as imagens na esperança de um dia poder mostrá-las ao mundo.
O Harlem Cultural Festival, que era gratuito, aconteceu no Mount Morris Park (hoje Marcus Garvey Park), durou 6 semanas e reuniu cerca de 300.000 pessoas, em sua maioria negras. No palco, apresentavam-se personalidades hoje tão conhecidas como Stevie Wonder, com apenas 19 anos, BB King, já um clássico naquele então, a grandiosa Nina Simone e tantas outros nomes mais ou menos conhecidos. O nível musical ali exibido era algo de extraordinário! Com cada fim de semana dedicado a um ritmo – Soul, Blues, Jazz, Gospel… – tudo acontecia em épocas bastante tumultuadas, após os assassinatos de Martin Luther King, Malcom X e de outros defensores da igualdade de direitos dos negros no mundo. Para fazer a segurança do Festival, membros do Black Panthers foram acionados. Já não dava mais para arriscar vidas nessa batalha tão desigual. Ao mesmo tempo, não dava mais para aguentar tudo calado.
O documentário mistura imagens do Festival (essa é a maior parte, claro) com alguns depoimentos de artistas ou do público presentes naquele 1969, apresentando ainda um contexto histórico para o evento. Dali, se depreende que o Festival foi também uma forma que os líderes brancos encontraram para acalmar os nervos dos negros naquele período tão incendiário. Uma maneira de conter a raiva e a revolta daquele povo tão discriminado e sofrido. Mal percebiam esses líderes que estavam, na verdade, dando-lhes novas armas para um outro tipo de revolução. Uma revolução feita por meio da música, da criação, da arte, da emoção. “Mal percebiam” talvez não seja o verbo certo, já que, em algum ponto, eles perceberam sim a força do que estava acontecendo naquele parque, e por isso mesmo deram um jeito de sumir para sempre (ou quase) com aquelas imagens!
Um filme PRA APRENDER e PRA SE INDIGNAR.
Disponível no Star+ (México), Hulu (EUA) e em breve no Disney+ (Brasil).
Com as vozes de: Oliva Colman, Abbi Jacobson, Danny McBride, Michael Rianda, Maya Rudolph
Hoje vamos de leveza e animação. A dica é a produção da Sony “A Família Mitchell e a Revolta das Máquinas” (2021), dirigido por Michael Rianda, que concorre ao Oscar de Melhor Animação e que já levou o prêmio no Critics Choice Award. Um filme super divertido, inteligente e feito para agradar toda a família.
A trama se passa nos EUA e conta a história da família de Katie Mitchell (Abbi Jacobson), uma adolescente que está prestes a entrar na universidade. Ela é uma menina diferente, com alguns problemas sociais, vista pelos colegas como “esquisita”. Vive no seu mundo virtual com direito a muitas horas nas rede sociais. Mas seu grande sonho é mesmo tornar-se cineasta. O filme começa então com a menina aplicando para uma universidade de cinema na California e logo sendo aceita. A mãe Linda (Maya Rudolph) é super dedicada aos filhos e à família. Katie tem um irmão mais novo, Aaron (Michael Rianda – diretor do filme), por sua vez um fanático por dinossauros. Os dois irmãos têm uma bela relação de amizade, admiração e companheirismo. O que já não acontece entre a adolescente e o pai, Rick (Danny McBride), um amante da natureza e de tudo o que é manual e artesanal. Ele é completamente avesso à tecnologia e não sabe nada sobre o mundo digital em que vivem seus filhos. Pra completar essa família do barulho, tem ainda o pug Monchi, a versão animada do Doug the Pug, cachorro com o maior número de fãs na Internet.
O mundo em que vivem é, aliás, comandado pelo empresário Mark Bowman, dono da Pal Labs (uma Apple ou Microsoft da vida real). Ainda bem no começo da história, o empresário apresenta sua mais recente criação: um robô que vem para substituir a Pal (espécie de Alexa, com a voz de ninguém mais ninguém menos que Olivia Colman) e que, portanto, seria muito mais completo e poderoso. Uma crítica bem interessante à longevidade das máquinas atuais, rapidamente descartadas e substituídas por outras cada vez mais potentes. Coisa que parece se repetir também nas relações humanas…
Para tentar resgatar a conexão com a filha, Rick decide levá-la para a California de carro, organizando de útlima hora uma road-trip em família. Isso pra tristeza de Katie, claro, que não vê a hora de se livrar da família que tanto critica sua maneira de ser. Durante a viagem, acontece, porém, uma revolta das máquinas que tentam tomar o poder, eliminando toda a humanidade. Só não conseguem eliminar a estranha família Mitchell, que terá então a quase-impossível tarefa de salvar a humanidade.
Apesar da premissa algumas vezes vista do cinema, “A Família Mitchell e a Revolta das Máquinas” difere dos demais no seu desenvolvimento, já que não é de forma alguma um filme moralista, desses que assumem uma posição radical contra as redes e super a favor da natureza. Muito menos maniqueísta, do tipo que coloca a humanidade do lado do mal e máquinas do bem ou vice-versa. Aqui nada entra em caixinhas. Ao contrário, o filme mostra como unir os dois mundos (natureza e tecnologia; manual e máquina, etc.) de modo a estabelecer uma boa relação e de encontrar nessa parceria as soluções para vários problemas atuais da humanidade.
Misturando diferentes estilos de animação, em 3D e 2D, o filme de Michael Rianda tem uma pegada teen, meio scrapbook, super colorido e hiper dinâmico, com inserção de memes da atualidade. O tempo voa enquanto assistimos ao filme e as gargalhadas são garantidas.
“A Família Mitchell e a Revolta das Máquinas” é uma animação cheia de detalhes que usa a revolta das máquinas para analisar e refletir sobre as relações humanas, sobre o conflito de gerações e sobre a importância da família. Simplesmente excelente!
Um filme PRA SE DISTRAIR e PRA VER EM FAMILIA. Disponível na Netflix.
Assim como Alfonso Cuarón há alguns anos debruçou-se sobre sua vida em preto e branco realizando o belíssimo “Roma” (2018), neste ano é a vez do ator e diretor britânico Kenneth Branagh dar um mergulho no passado e resgatar parte da infância vivida na sua Irlanda do Norte natal.
Fazendo uso do mesmo preto e branco, desta vez com algumas incursões nas cores, sobretudo em situações de mise en abîme – filmes dentro do filme – o “Belfast” de Kenneth Branagh conta a história do pequeno Buddy (brilhantemente interpretado por Jude Hill), menino de 9 anos, morador de Belfast. Ele mora ali com seus pais e irmão mais velho, mas tem trânsito livre pela cidade, onde conhece todo mundo e é cuidado por todos. Um retrato perfeito do famoso “it takes a village to raise a child”. Muitos são primos, vizinhos ou amigos. Uma vida boa – alternando escola, brincadeira na rua, idas ao cinema, visitas aos avós e à igreja –, que vai mudar bruscamente em 1969, quando começam as barricadas e as brigas entre católicos e protestantes.
O filme se concentra justamente no período em que a família de Buddy, que é protestante mas convive perfeitamente bem com amigos católicos, se vê tentada a deixar sua cidade em busca de um lugar mais seguro para criar os filhos. Eles não querem, mas serão obrigados a mudar para Inglaterra, onde o pai consegue uma boa proposta de trabalho. Mas isso não acontece sem sofrimento. A partida de Belfast é também um momento de transição na vida de Buddy, é a passagem da infância para a vida real, cheia de perigos, ameaças, lutos e despedidas. É a perda da inocência, da paz que habita em muitos casos a mente de uma criança. Mas, uma passagem também difícil para os adultos, como a mãe, que tem dificuldades em “desapegar”. O roteiro, também assinado por Branagh, mostra com muita sensibilidade as dificuldades e implicações de se deixar a terra natal, suas raízes, seus amigos, seu sotaque, sua história. Caminho obrigatório de tantos exilados e refugiados, fugitivos de conflitos tenebrosos e cruéis, como, infelizmente continuamos a ver em nossa atualidade.
Em Belfast-filme tudo é lindo! A fotografia, a história, o amor que une a família do pequeno Buddy/Kenneth Branagh. Impossível não se apaixonar por aquela carinha sapeca cheia de sardas!!!! Dá vontade de levar pra casa, de abraçar, de dar colo!!! A relação do menino com os avós é daquelas de encher o coração da gente de ternura. Ai, ai, meu coração!
Kenneth Branagh foi extremamente cuidadoso em cada detalhe que compõe esse filme tão delicado, intimista e poético. As tomadas se alternam entre plongée e contra-plongée com maestria, numa alusão perfeita ao olhar divino (plongée), à pequenez humana e, claro, ao ponto de vista da criança (contra-plongée), protagonista desta história. Uma Belfast em guerra, vista pelos olhos de uma criança apaixonada por futebol, filmes e por uma menininha inteligente chamada Katherine. Esse menino é Kenneth Branagh.
Pra completar o espetáculo, a trilha é igualmente linda, com músicas de Van Morrison, também natural de Belfast, e que compôs uma música especialmente para o filme. O elenco é fantástico, com participação especial de Judi Dench como a avó de Buddy. A montagem é excelente, o ritmo, a duração… Ou seja, tudo neste filme é lindo e de excelente qualidade! Sem sombra de dúvidas, uma obra de (sétima) arte completa.
Sempre me espantou a capacidade que tem Steven Spielberg de transitar entre os gêneros cinematográficos. Desde seu longa de estreia “Tubarão” (1975) até o seu mais recente “Amor, Sublime Amor”, o diretor americano soube sempre se adaptar às exigências do público de cada tipo de filme que realizou. Muitos acabaram se tornando grandes clássicos, como o inesquecível “ET” (1982), “A Cor Púrpura” (1985), “A Lista de Schindler” (1993) e tantos outros.
Desta vez o desafio que ele se impôs foi o gênero musical. Desafio dobrado já que Spielberg decidiu partir para a realização do remake de um filme já consagrado e já convertido em clássico do cinema americano: “West Side Story”, lançado originalmente em 1961, dirigido pelo grande Robert Wise. É preciso ter muita confiança em seu talento!!! Mas ele tem. E não é à toa.
Sua versão de “Amor, Sublime Amor” é excelente e não deixa nada a desejar à original. Filmada com uma câmera bailarina, em um cenário artificial típico dos musicais da broadway, a fotografia é super bem cuidada trabalhando as cores à perfeição. As quentes para os portorriquenhos e as frias para os gringos. Tudo feito de maneira sutil e linda. As coreografias também são primorosas, pelo menos para meus olhos de leiga. A música, acho que não precisa comentar. Já é um clássico. E Spielberg teve a humildade e o talento para não modificá-las. Não criou música nova só para ganhar prêmios. Seguiu com o original. O elenco escolhido por Spielberg, por sua vez, apesar de não ser o das grandes estrelas já consagradas em Hollywood, dá conta do recado direitinho. Vozes e rostos novos que iluminam a tela e trazem um frescor para uma história já mil vezes contada. O destaque fica por conta de Ariane DeBose, que interpreta Anita, namorada de Bernardo (David Alvarez), irmão da protagonista, indicada inclusive ao Oscar de melhor coadjuvante por esse trabalho. Aqui vale abrir parênteses: (na versão de 1961, Anita é interpretada por Rita Moreno, que aparece na versão atual como a personagem Valentina, uma contribuição de Spielberg ao roteiro original, colocando-a ali como a voz do bom senso, aquela que transita entre os dois mundos, entre as duas gangues. Nos anos 60, no papel de Anita, Rita levou o Oscar de melhor atriz coadjuvante . Seria isso um sinal?)
Para os que não viram o original, a trama se passa em Nova Iorque dos anos 50, no acalorado período pós-guerra em que o território era ali era disputado por duas gangs: de um lado os Jets, americanos descendentes de irlandeses; do outro, os Sharks, comunidade dos portorriquenhos, incorporados aos EUA no final do século 19 e tornados cidadãos americanos em 1917. O bairro vive em eterna discórdia por causa da segregação por eles mesmos imposta. Portorriquenhos só interagem com portorriquenhos e os “gringos” só com “gringos”. Acontece que María (Rachel Zegler) e Tony (Ansel Elgort) vão descumprir esse “combinado” e apaixonar-se perdidamente um pelo outro. Está armada a confusão entre as duas gangues que não vão sossegar enquanto não conseguirem separar os pombinhos.
Essa tragédia shakespeareana ganha pelas mãos e olhos de Spielberg, um frescor de século 21 com coreaografias atualizadas e a introdução de temas super debatidos hoje, como a tal da diversidade. Além de ter incluido um personagem trans, ele ainda ousou mesclar os diálogos em inglês e espanhol, sem recorrer às legendas. Tudo super bem adaptado ao nosso mundo de hoje tão miscigenado, tão “aldeia global”, mas ainda tão cheio de ódio do coração.
O cara é um gênio. Não à toa, sua versão de “Amor, Sublime Amor” concorre ao Oscar deste ano em nada, mais nada menos do que 7 categorias, incluindo melhor filme e melhor diretor. Mais uma vez, tenho que tirar o chapéu para o grande mestre Steven Spielberg! Já esperando o que está por vir…
Elenco: Alana Haim, Cooper Hoffman, Bradley Cooper, Sean Penn, Harriet Sansom Harris, Maya Rudolph, Sasha Spielberg
Hoje vamos de “Licorice Pizza”, filme indicado em 3 categorias importantes do Oscar deste ano: melhor filme, melhor diretor e melhor roteiro original.
O filme, escrito e dirigido por Paul Thomas Anderson, traz uma daquelas histórias de amor que enche nossas almas de coisas boas!!!! Um caso raro nos filmes candidatos ao Oscar deste ano. “Licorice Pizza” é um filme com gosto de juventude, com uma trama que mostra a vida vivida intensamente, sem medo de ser feliz e de correr riscos. Correr, aliás, seja talvez a palavra de ordem dessa história. Desde a câmera que “voa” para acompanhar os jovens protagonistas, Gary Valentine (Cooper Hoffman) e Alana Kane (Alana Haim), que, correm em várias cenas em busca de algo que querem com paixão.
Os dois se conhecem na escola de Gary, no Vale de San Fernando – Califórnia, quando a jovem fotógrafa Alana, está ali trabalhando para tirar as fotos do Yearbook dos estudantes. Ele tem apenas 15 anos e ela 25. Dez anos os separam, mas uma atração irresistível vai unir esses dois. Um aprecia o que o outro tem, mas a diferença de idade é uma vala entre eles. Gary é um ator mirim e empresário precoce. Alana é uma jovem judia rebelde, que não consegue encontrar um rumo na vida que agrade à sua família ou que a torne independente.
Paul Thomas Anderson optou pelos tons alaranjados, pela brancura da luz estourada e pelo granulado da película dos anos 70, época em que se passa a história. E montou seu argumento em cima de fatos reais contatos por ele por seu amigo ator mirim Gary Goetzman, que, depois de atuar em alguns filmes importantes em Hollywood, acabou por tornar-se empresário, montando uma empresa de colchões de água e, depois, uma casa de jogos eletrônicos, as famosas “Arcades”. Exatamente como acontece no filme com o personagem Gary.
Já para a personagem Alana Kane, o diretor se inspirou na cantora Alana Haim, membro da banda Haim, composta por ela e por suas irmãs Danielle e Este, para quem Thomas Paul Anderson já fez vários vídeo-clips. Ele aproveitou e chamou toda a família para interpretar os papeis de irmãs e pais de Alana Kane, família de quem é amigo próximo. Para completar o elenco desse filme-quase-de-família, Paul Thomas Anderson convidou ainda vários amigos para atuarem e também seus filhos e sua esposa Maya Rudolph, que interpreta Gale.
É interessante notar, então, que para esse seu filme quase autobiográfico, o diretor elegeu atores desconhecidos para os papeis principais – “Licorice Pizza” é o filme de estreia de Alana Haim e Cooper Hoffman (filho de Phillip Seymour Hoffman) –, deixando os famosos Sean Penn e Bradley Cooper apenas com papéis secundários. Bradley Cooper faz Jon Peters, também um personagem real da história (produtor de cinema e cabeleleiro, namorado de Barbra Streisand por 12 anos), enquanto Sean Penn é Jack Holden. E isso, ao invés de enfraquecer o filme, lhe deu ainda mais força. Tudo fica mais real! Nem Alana nem Cooper Hoffman são os padrões de beleza hollywoodianos a que estamos acostumados… são gente como a gente!
Um outro ponto forte do filme é a trilha sonora. Assinada por Jonny Greenwood, da banda Radio Head, ela é formada por músicas originais compostas por ele e também por clássicos como David Bowie, Nina Simone, The Doors, Paul McCartney, entre outros. Todo um show à parte!!!!
Com relação ao título “Licorice Pizza”, fiz qui mil elocubrações para entender a escolha do diretor… pensei que seria talvez o gosto agridoce da passagem da adolescência pra a vida adulta, pensei no primeiro álcool consumido, talvez misturado com o doce do bombom, e que também traduzira essa mescla entre infância e “adultez”… E até que poderia ter algum sentindo! Mas, lendo entrevistas com o diretor, acabei descobrindo que o nome foi dado em homenagem a uma loja de discos que o diretor frequentava quando criança. Ou seja, Licorice Pizza é a madeleine (de Proust) de Paul Thomas Anderson!
Elenco: Penélope Cruz, Milena Smit, Israel Elejalde, Rossy de Palma, Aitana Sáchez-Gijón
Hoje a dica é quente! Afinal, estamos falando aqui de Pedro Almodóvar e da estreia de seu novo filme no catálogo da Netflix! Mães Paralelas, filme estrelado por uma de suas atrizes-musas, Penélope Cruz, e que concorre ao Oscar em duas categorias: Melhor atriz e Melhor Trilha Musical. Ambas indicações super merecidas!
Mas vamos lá! Em Mães Paralelas, Almodóvar retoma sua tradicional paleta de cores fortes e vibrantes, desta feita com o predomínio do vermelho e do verde, cores que vão se revezando no cenário e no vestuário, e que só perdem um pouco força na parte final da trama, cedendo espaço a tons mais terrenos, cores dos pueblos espanhois, de sua terra e de sua gente.
O filme conta a história de Janis (Penélope Cruz), uma fotógrafa solteira que engravida do amante Arturo (Israel Elejalde), que, por ser casado, não quer ter o filho naquele momento. A mulher, porém, já beirando os 40, decide que terá a criança assim mesmo e repetirá a tradição da família, a de mães solteiras. E aí Almodóvar aproveita para dar um cunho político ao seu filme. Isso porque Janis vem de um pueblo em que vários habitantes homens foram assassinados durante a Guerra Civil Espanhola e seguem até então desaparecidos. As mulheres tiveram assim que construir suas vidas e criar seus filhos sozinhas, não necessariamente por uma escolha, mas, principalmente, pela falta dela.
Janis leva a gravidez adiante e na maternidade vai conhecer a adolescente Ana (Milena Smit), sua companheira de quarto, que dará à luz sua filha no mesmo dia que Janis. Duas mães solteiras, em condições, no entanto, bem distintas. Unidas apenas pela estreia simultânea no universo da maternidade. As duas sentem que têm alguma afinidade, trocam telefones e acabam se tornando amigas por uma série de circunstâncias que não quero aqui contar para não dar spoilers.
Mas o que quero mesmo dizer é que, apesar de ter uma premissa bastante interessante, Almodóvar parece que perdeu a mão desta vez. Seu filme tinha tudo para ser excelente, mas não é! Há mais de um filme dentro do filme. E muitos temas acabam não sendo desenvolvidos como deveriam, deixando uma série de pedaços alinhavados, de histórias inacabadas e o espectador com vontade de quero-mais… Ao tentar misturar um tema social importante como o dos desaparecidos da guerra espanhola com o tema central e marcante da maternidade (desejada ou indesejada), o diretor espanhol acabou se desencontrando. O filme me pareceu mais uma justaposição de roteiros do que um roteiro inteiro. A última parte então, “ni hablar!”, parece um “puxadinho”, colocado ali só para arrematar o tema lançado no início do filme e que precisava de uma amarração para terminar. Uma pena, porque a parte que envolve as duas mães de mundos tão paralelos, com backgrouds tão distintos e, ao mesmo tempo, tão cheio de interseções, já daria pano pra manga para um filmaço. Mas por passar pela tangente, não entremelando as duas tramas (a histórica e a da crônica da maternidade) como poderia ter feito, Almodóvar acabou por nos entregar um melodrama digno de Manoel Carlos, envolto em uma rala camada de História.
Ainda assim, super recomendo Mães Paralelas, cujos pontos fortes são a atuação de Penélope Cruz, que parece só melhorar com o tempo, e a excelente e perturbadora trilha assinada por Alberto Iglesias.
Fico por aqui aguardando os comentários e, claro, os ataques.
Meu marido, por exemplo, adorou o filme e me apresentou vários argumentos para defender o longa de Almodóvar, alegando que eu estava equivocada em minha avaliação… “a ver”!
Elenco: Kristen Stewart, Thimothy Spall, Sally Hawkins, Jack Farthing, Jack Nielen, Freddie Spry
Hoje saiu a lista para os indicados ao Oscar 2022. A sorte agora está lançada!
Na categoria Melhor Atriz, temos Kristen Stewart, interpretando Lady Di em “Spencer” (2021), dirigido pelo chileno Pablo Larraín. E é justamente esse filme a nossa dica de hoje!
Gostaria de começar dizendo que fiquei muito feliz com essa indicação super merecida. Enquanto assistia ao filme nem lembrava que estava diante da atriz de “Crepúsculo”… Kristen Stewart parece ter incorporado o sofrimento da princesa de Gales de uma forma impressionante!
O filme, aliás, me impressionou bastante. A textura granulada das imagens de Diana (filmadas em 16mm) somado à luz amarelada e aveludada, escolhidas pela diretora de fotografia Claire Mathon, remetem a uma ideia de aconchego e de intimidade surpreendentes naquele cenário acinzentado do inverno inglês. Mas trazem também algo de fantasmagórico. A montagem é certeira, acompanhada por uma trilha excelente que, infelizmente, ficou fora da lista de indicados. Isso tudo somado ao grande desempenho do elenco, fazem de “Spencer” um filme de primeira qualidade.
A trama se passa na Sandringham House, propriedade real, localizada em Norfolk. Mesma região onde cresceu Diana. É nesse suntuoso palácio de campo que a família real costuma passar o período de Natal, sempre seguindo as mesmas tradições. A história do filme vai então acompanhar a princesa nesses três dias que duram as celebrações natalinas – do Christmas Eve ao Boxing Day –, justo no ano que antecede à sua separação do Príncipe Charles. Um período de grande angústia e sofrimento para ela, já que o caso de seu marido com Camilla Parker-Bowles já começava a despertar a atenção dos tabloides ingleses.
O que vemos é uma Diana perturbada, inquieta, depressiva, bulímica e inconformada com as obrigações e às imposições de seu posto de princesa. Uma mulher vigiada e controlada 24 horas por dia, uma verdadeira escrava da monarquia! E Kristen Stewart dá um show para nos fazer entender com precisão esses sentimentos!
O filme é, porém, uma ficção. Mas que sugere (ou supõe) como teria sido o último Natal de Lady Di dentro da família real. Uma Diana atormentada pela figura de Ana Bolena, rainha consorte da Inglaterra, segunda esposa do rei Henrique VIII, executada na Torre de Londres, acusada de adultério por seu próprio marido, sendo que era ele quem a estava traindo. O diretor propõe aqui um paralelo entre as duas personagens, o que acentua ainda mais o clima de tensão que percorre todo o filme.
“Spencer” discute sobre as noções de passado, presente e futuro quando se está diante de situações-limites de pressão. Põe em cheque ainda o sentido das tradições e questiona o aprisionamento causado por certas “funções” que temos que desempenhar em nossas vidas. Claro que o assunto aqui é a monarquia inglesa – será que ainda cabe no mundo de hoje esse formato de monarquia? –, mas bem que essa história poderia ser transportada para vários “postos” que temos que ocupar em nossas vidas de plebeus.
Elenco: Agathe Rousselle, Vincent Lindon, Laïs Salameh, Garance Marillier
Hoje a dica é da pesada! Um filme para poucos, para aqueles que têm estômago forte e mente aberta para o surreal, o grotesco e o fantástico. O indicado é o francês « Titane », ganhador da Palma de Ouro em Cannes em 2021.
Dirigido e escrito por Julia Ducournau, o filme conta a história de Alexia (Agathe Rousselle), uma jovem dançarina que ainda criança teve uma placa de titânio implantada em sua cabeça devido a um acidente de carro, sofrido na companhia de seu nada amoroso pai. A partir dali, a menina desenvolve uma paixão incontrolável por carros. E não estou falando aqui de uma paixão daquelas que costumam ter os colecionadores de carros por seus objetos do desejo. Mas sim uma atração física (sexual) mesmo por essas máquinas.
Alexia ganha a vida se apresentando em Salões do Automóvel pela França, fazendo números em que simula (ou não) uma relação sexual com um certo carro pintado com labaredas. Ela fica famosa e atrai vários homens e mulheres apaixonados por máquinas e por sexo. Pessoas que se aproximam para serem rapidamente eliminadas pela moça. O universo masculino fica aqui bem marcado, assim como a “coisificação” da mulher. No entanto, como contraste, Alexia é dona de um rosto bem andrógeno, que tanto poderia estar no corpo de uma mulher como no de um homem. E é justamente essa ambivalência entre gêneros que vai permear todo o filme, levando-nos a refletir sobre o que de fato pertence ao universo masculino ou ao feminino. Ou, sobretudo, se ainda cabe fazer essa separação…
E a história ainda vai se complexificar um pouco mais, quando Alexia foge de casa e de seus crimes e assume a identidade de Adrien, o filho desaparecido de Vincent (Vincent Lindon), um bombeiro obcecado por seus músculos, que toma bomba todo o dia com o intuito de não perder sua força, nem sua masculinidade. Nessa nova fase de sua vida, a moça vai perceber algo crescendo em seu ventre. Vai perceber ainda que seu sangue foi substituído por óleo. Mulher, homem ou máquina? Quem é Alexia? Aqui outro ponto importante é evidenciado: a gravidez num corpo/vida de homem/máquina. Bem interessante!
Com excelentes atuações e uma fotografia cuidadosa em que os filtros rosa e azul predominam e se revezam, pode-se dizer que o filme de Julia Ducournau, depois do prólogo, é dividido em duas partes. A primeira é de uma violência absurda! Fechei os olhos não sei nem quantas vezes. Me senti repetindo a experiência de “Laranja Mecânica”, com aquela violência aparentemente gratuita, acompanhada de uma música dissonante, que deixa tudo com cara de show de horrores. Já na segunda parte, a violência vai pouco a pouco se apagando. Como se aquele bombeiro machão fosse conseguindo controlar o fogo que sempre consumiu Alexia, por meio de seu carinho, atenção e cuidado com aquele “filho” perdido dez anos antes. Uma relação bem bonita, em que um vai entendendo que um precisa do outro. O filme muda de tom, com a violência dando lugar a demonstrações de afeto, de amor e de humanidade.
“Titane” é um espetáculo para os psicanalistas cinéfilos de plantão. Mutilações, carências, paternidade, maternidade, homem, máquina, sexo, amor… Há muito o que analisar ali! Mas, como eu disse no começo, não é um filme que agrada a todos os gostos. Aliás, creio que agrada a bem poucos, já que para apreciar essa história ganhadora da Palma de Ouro em Cannes 2021 é preciso se deixar levar pela “viagem” ali proposta e encarar a violência como uma alegoria.
Disponível no MUBI. PRA SE ANGUSTIAR e PRA PENSAR.
Elenco: Bradley Cooper, Willem Dafoe, Cate Blanchett, Toni Collette, Rooney Mara, Richard Jenkins, David Stratahairn
Ontem fui assistir ao mais novo filme do mexicano Guillermo Del Toro, autor dos famosos “Labirinto do Fauno” (2006) e “A Forma da Agua” (2017), entre outras pérolas. Afeito aos filmes fantásticos, com universos povoados de monstros, desta feita, Del Toro preferiu se concentrar no bicho-homem, talvez o mais monstro dos monstros! Aliás, esse é o grande mote de “O Beco do Pesadelo”, cujo título em espanhol – “El Callejón de las almas perdidas” – me pareceu bem mais interessante e apropriado. Mas, vamos lá:
Com uma câmara baixa, colocada quase no chão, vemos em contra-luz, em uma imagem banhada de sombras em tom de sépia, um homem com jeitão de Indiana Jones. Sem sabermos o porquê, ele atiça fogo a uma casa no meio do nada e sai. Parte sem rumo e, aparentemente, sem remorços, pega um ônibus qualquer e acaba parando em frente a um vilarejo no meio de outro nada. Lá, há uma feira daquelas muito comuns no passado (os famosos Carnivals nos EUA), em que além de carrossel, roda-gigante, trem-fantasma e outras atrações típicas de parques de diversões, havia também “aberrações na natureza”, ou “bichos exóticos”, como a mulher barbada, o homem mais forte do mundo, homem-serpente, mentalistas, etc. No caso específico desta feira, uma das grandes atrações é um “selvagem”. Homem-monstro, híbrido de humano e animal, capaz de matar uma galinha com os próprios dentes, para assim saciar sua fome e seus instintos de fera. Uma atração proibida, mas que atraía multidões sedentas por verem de perto a barbárie ali apresentada.
Tendo essa tela como cenário, além do importante contexto da II guerra mundial, “O Beco do Pesadelo” é um verdadeiro show de horrores, um espécie de thriller noir, que revela o que há de mais podre na alma humana.
Na trama, que é baseada no livro “O Beco das Ilusões Perdidas” (1946), escrito por William Lindsay Gresham, seguimos o caminho de Stan Carlisle (Bradley Cooper), de quem pouco sabemos (o tal Indiana Jones do começo), em sua saga para sobreviver. Um homem solitário e misterioso que, sem muitas alternativas de futuro, acaba ficando por ali mesmo, indo trabalhar por pouco mais ou nada para Clem, um fantástico Willem Dafoe, diga-se de passagem. Aos poucos, vamos juntando as peças do quebra-cabeça e desvendando quem é de fato Stan.
Com um elenco estelar (Cate Blanchett, Toni Collette, Rooney Mara, etc.) e uma produção impecável, o filme, que dura duas horas e meia, equilibra decadência e elegância com primor. O ritmo é um pouco lento, sobretudo na primeira parte. Sim, podemos dizer que o filme tem duas partes, que colocam justamente em evidência o contraste entre esses dois mundos, o da pobreza e o da riqueza, o da ruína e o do luxo, mas sempre permeados do que há de mais baixo na natureza humana. Isso não muda, não importa a classe social! A segunda parte ganha mais ritmo, mais dinamismo e mais tensão, deixando-nos agoniados, angustiados, com medo do que vem pela frente.
Não quero contar muito mais, porque acho que esse é o tipo do filme que merece ser visto sem muita informação. Uma história em que a mente humana é o centro de tudo, tendo a psicanálise, o tarot e o mentalismo como ferramentas para se adentrar seus labirintos, na tentativa de sanar feridas do passado, cicatrizar culpas, prever o futuro ou simplesmente ganhar dinheiro.
“O Beco do Pesadelo” é um filme extremamente bem feito, cuidadoso em cada detalhe, cheio de imagens belas e grotescas, além de diálogos impactantes que estimulam uma série de reflexões sobre a natureza humana. Uma verdadeira mise-en-scène da famosa frase de Hobbes, “o homem é o lobo do homem”.
Elenco: Tessa Thompson, Ruth Negga, André Holland, Ashley Ware Jenkins, Bill Camp, Alexander Skarsgård
Para celebrar o Dia da Consciência Negra, convidamos Liliane Lopes, uma cinéfila de primeira grandeza, cineasta autodidata e mãe-ativista, membro do grupo EP de Diversidade Racial. A proposta foi assistir ao filme “Identidade” (2021), recém lançado no catálogo da Netflix, e depois trocarmos algumas ideias acerca das questões ali tratadas.
“Identidade”, dirigido pela atriz e diretora debutante branca Rebecca Hall é a adaptação do livro homônimo de Nella Larsen, publicado em 1929, uma escritora mestiça, filha de pai negro e mãe branca, e conta a história de duas amigas negras que se reencontram depois de anos sem se verem. Acontece que no momento do reencontro, Irene (Tessa Thompson) e Clare (Ruth Negga) estão se passando por brancas – “passing”, como chamavam essa prática nos EUA – uma maneira de serem aceitas naqueles racistas anos 20. A partir daí a bolha de suas vidas “perfeitas” vai ser furada e as duas vão ver suas vidas estremecidas, suas crenças abaladas e suas felicidades fragilizadas.
Liliane Lopes
Aqui vão algumas das ideias trocadas com Liliane:
Com relação à estética, você acha que o PB foi uma escolha acertada? E o que dizer do forte contraste? Você acha que isso permitiu trabalhar melhor as diferenças de tons de pele?
O uso do PB como recurso narrativo é um dos grandes trunfos do filme. Além de nos lembrar que a existência e as relações podem ser definidas pela cor da pele, permitiu, ainda, a utilização de um jogo de luz e contrastes, que modificavam a tonalidade de pele dos personagens em sincronia com as situações vivenciadas na trama.
A utilização da tela na proporção 4:3 e os enquadramentos das cenas também foram escolhas acertadas, pois nos colocam dentro da cena e potencializam as emoções dos personagens.
2. O “passing” era uma prática comum nos EUA dos anos 20? Isso existiu em algum momento no Brasil?
É importante contextualizar o filme com o momento histórico. Em uma época com leis segregacionistas em vigor e que o linchamento de pessoas negras não era incomum, o “passing” podia significar uma estratégia de sobrevivência e acesso a locais vedados a pessoas negras. Tanto que no início do filme, a personagem Irene se passa por uma mulher branca em busca de um livro, que se encontrava esgotado para o filho, escondendo-se por trás do chapéu e das luvas, para frequentar aqueles locais com maioria branca. A cor da pele se mostra como fator de validação para receber melhor tratamento e ter segurança.
Nos EUA a pessoa é considerada negra se tiver antepassados negros, independente do fenótipo. É a chamada regra de uma gota de sangue (one drop rule), se o indivíduo tiver uma gota de sangue negro, ele é negro. Não faz diferença ter a aparência de uma pessoa branca.
No Brasil se debate o colorismo, que pode ser definido como tratamento diferente que se dá a pessoas negras com a pele clara. Quanto mais escura a pele, maior a discriminação racial. O indivíduo negro que apresenta o fenótipo branco estaria menos sujeito racismo e, por vezes, não se identifica como negro.
3. Como você enxerga as duas maneiras distintas que as protagonistas – Irene e Claire – escolheram para “sobreviver” às discriminações naqueles EUA de 1920?
Irene e Claire são duas mulheres negras de pele clara, que podiam se passar por brancas, entretanto optaram por estratégias diversas de sobrevivência.
Irene escolheu casar-se com um médico negro, que não poderia passar por branco e abraçou sua negritude. Ostentava certo status social na comunidade negra, em pleno Harlem Renaissance, além de integrar a classe média com poderio econômico. Nota-se, entretanto, que buscava resguardar os filhos do racismo, ao queixar-se do marido que contou sobre o linchamento de homem negro ao filho mais velho, bem como quando escondia deliberadamente sua negritude em ambientes majoritariamente brancos.
Já a Claire optou por fingir ser uma mulher branca e por um casamento sem amor com um homem branco racista e rico, com quem teve uma filha pela qual agradece poder passar por branca. Entretanto, por intermédio de Irene, ela se reconecta com a comunidade negra e passa a reavaliar sua escolha.
Ambas as personagens me remetem ao sofrimento psíquico causado pelo racismo e as ferramentas individuais que cada um desenvolve para seu enfrentamento. É uma luta interna de construção de identidade. Cada um tem a sua própria batalha.
4. O marido de Irene quer mudar para outro país, talvez o Brasil, imaginando que as coisas seriam mais fáceis para os negros naqueles anos 20. O que você acha?
Nos anos 20 predominavam as ideias do Movimento Eugenista no Brasil, que baseado em racismo pseudocientífico e incensado pela elite política, pregava o branqueamento da população brasileira como política de estado. Defendia-se a morte da população negra abertamente e a miscigenação, como forma de alcançar o almejado branqueamento. A Constituição de 1934 estabelecia como dever do Estado estimular a educação eugênica. Nas faculdades de Medicina e Psiquiatria se criou o estereótipo do negro delinquente, preguiçoso e desprovido de inteligência, que predomina até hoje na mentalidade brasileira. Deu-se até mesmo a proibição de imigração de povos não europeus.
Em tese, portanto, seria possível que a entrada de Irene e da família sequer fosse admitida no Brasil.
Chama atenção, ainda, a diferente realidade entre os países. Enquanto nos EUA existia classe média negra, no Brasil os negros recém-saídos da escravidão encontravam-se na miséria e alvo de uma política de extermínio.
5. E como você vê a relação com a empregada doméstica?
Me pareceu a reprodução do sistema de opressão do qual as próprias personagens buscavam se esquivar. Note que a empregada tinha pele mais escura e a ela era dispensado tratamento objetificado e menos respeitoso.
Como por exemplo, na cena em que Irene deixa cair um vaso pela janela e diz que não precisa limpar, pois a empregada o fará, fica evidente a reprodução desse sistema.
Há ainda muito a ser dito sobre esse lindo filme que marca a estreia de Rebecca Hall na direção de longas-metragens, mas vai ter que ficar para outra oportunidade. Recomendamos fortemente que assistam a “Identidade” e reflitam sobre a evolução (ou involução) do respeito à diversidade racial no mundo.
Liliane, muitíssimo obrigada pela conversa, pelas trocas de ideias e por todo o ensinamento que você nos proporcionou aqui! Show demais!
Um filme lindo PRA PENSAR e PRA APRENDER. Super recomendamos!!!!! Disponível na Netflix.
Taurina, brasileira, nascida em Fortaleza, criada em Brasília e morando atualmente no México, depois de ter passado 7 anos na Suíça e 5 anos na Argentina. Casada, mãe de dois filhos e tia de muitos sobrinhos. Formada em Publicidade, especialista em Marketing, Mestre em História e Estética do Cinema pela Universidade de Lausanne e agora Doutora nesta mesma Universidade.
Contato: lilialustosa@gmail.com
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