estou pensando em acabar com tudo (2020)
Título original: I’m thinking of ending things
Origem: EUA
Diretor: Charlie Kaufman
Roteiro: Charlie Kaufman
Elenco: Toni Collete, David Thewlis, Jessie Buckley, Jesse Plemons, Guy Boyd
Ontem à noite, aceitei a sugestão da Netflix e embarquei em mais uma de suas produções mirabolantes. Li a sinopse e confesso que não entendi nada! Vi o trailer e fiquei ainda mais confusa, sem entender exatamente do que se tratava aquele filme de título curioso, escrito em minúscula, em uma fonte tão pequena que dificultava a leitura: estou pensando em acabar com tudo.
O diretor é Charlie Kaufman, o que, de alguma maneira, já me serviu como pista para o tipo de filme a que ia assistir. Ele é o roteirista de Quero Ser John Malkovich (1999) e Adaptação (2002), os dois dirigidos por Spike Jonze, e ainda do maravilhoso Brilho Eterno de Uma Mente Sem Lembrança (2004), de Michel Gondry. Como diretor, sua estreia foi com Synecdoche, New York, lançado em 2008, que ainda não tive a oportunidade de assistir.
Baseado em livro homônimo escrito por Iain Reid, estou pensando em acabar com tudo conta a história de um casal de namorados – Jake (Jesse Plemons) e Lucy (Jessie Buckley) – que parte em uma pequena road trip para apresentar a moça aos pais do rapaz. Uma trama, em princípio, sem grandes novidades, composta por múltiplos diálogos filosóficos que tratam de solidão, frustrações, fantasias, desejos e, sobretudo, da morte e do real sentido da vida. Tudo certo, até que vamos percebendo que tem algo de muito estranho nessa história: vários nomes (Lucy, Louisa, Amy) e profissões para um mesmo personagem (médica, pintora, física, poeta, etc.), objetos antigos e novos que convivem “naturalmente”. Chegando na casa da família de Jake, nos deparamos com um casal esquisitíssimo, interpretados magistralmente por Toni Collete e David Thewlis. Difícil explicar aquela relação familiar, mas como diz o próprio personagem Jake: qual família não tem lá seus problemas, não é? À medida que o tempo do filme avança, vamos ficando cada vez mais perdidos. Tempo, aliás, é o elemento-chave nesta obra, já que ele não obedece exatamente à noção que fazemos dele. Aqui passado e presente se misturam, se confundem, são uma coisa só.
Ao contrário do que imaginava, terminei de ver o filme sabendo quase o tanto que sabia quando li a sinopse, perguntando-me o que tinha sido aquilo que eu tinha acabado de assistir. Aquele filme com toques de Stanley Kubrick e com um final à la Miyazaki me deixou sem norte! Fui dormir com a cabeça a mil, tentando juntar as peças apresentadas, decifrar cada fragmento visto. Nem preciso dizer que acordei várias vezes pensando naquelas imagens, fazendo suposições, conjecturas. Estou pensando em acabar com tudo invadiu meus sonhos, despertou-me várias vezes, sempre na tentativa de entender seu enredo, de desvendar seus mistérios. Ao acordar tinha um cenário mais claro em minha mente. Bingo! Por um momento, achei que tivesse entendido a história. Talvez sim, talvez não… Comecei a ler sobre o filme e descobri que não estava sozinha na minha “sofrência”. E mais, que era esse mesmo o objetivo de Kaufman. Nada de história dada de bandeja ao espectador. Afinal, nós também temos que fazer nossa parte! Assim como fazemos quando estamos diante de uma obra de arte abstrata ou quando vamos a um museu de arte contemporânea.
Ao ser questionada por meu marido se, afinal, eu tinha gostado ou não do filme, me dei conta de que, apesar de ter-me perguntado várias vezes ao longo de suas duas horas e pouco de duração sobre que raio de filme era aquele que estava vendo, tinha gostado sim bastante do que vi! O roteiro labiríntico, os diálogos super sofisticados, as inúmeras referências artísticas e filosóficas ali apresentadas, a faceta surrealista da história, a riqueza das simbologias destacadas, tudo, tudo me instigou, me fez ficar ligada, atenta, apesar do ritmo lento da narração.
O filme é classificado como thriller psicológico e, de fato, a tensão faz parte dessa história. Kaufman lança mão de vários elementos do filme de terror clássico hollywoodiano – viagem de carro no meio do nada em plena nevasca; porta do basement arranhada sem explicação lógica; prédio de High School com corredores vazios, onde apenas um zelador aparece de quando em quando fazendo sua limpeza… Zelador, aliás, que faz várias aparições ao longo do filme, em cenas intercaladas com a da road trip do casal protagonista, e que é de suma importância para o entendimento (ou não) da história.
Ah, queria contar mais sobre Estou pensando em acabar com tudo, explicar um pouco mais de seu enredo, contar minha interpretação. Mas acho que se fizesse isso, roubaria o prazer de deixá-los às suas próprias conclusões, descobertas e conjecturas. (Aliás, um conselho: não leiam textos explicativos sobre o fim do filme!!!!!) Tudo o que me permito acrescentar (ou pedir) por agora é que “abram seu coração” para esta experiência que é o último filme de Charlie Kaufman. Um dos mais loucos que vi nos últimos tempos, mas um dos poucos a roubar meu sono e botar minha caixola para funcionar a pleno vapor até encontrar sentidos para aquelas belas imagens em movimento! E se, ao final de tudo, quiser trocar ideias, me escrevam por aqui pelo blog. Terei o maior prazer de responder e de apresentar meu olhar sobre essa história maluca, linda e, por que não dizer, triste, e também de me deixar embalar pelo olhar de vocês.
Um filme PRA PENSAR.