Pequena reflexão sobre o Oscar 2019
Hollywood não é mais a mesma…
Ainda me falta assistir a um dos indicados ao Oscar de melhor filme de 2019 – Vice (2018), de Adam McKay – mas, diante da lista de nomeados e da crescente diminuição do número de telespectadores da cerimônia de premiação (Oscar 2018 foi o menos assistido da história), já podemos desenvolver alguma reflexão sobre as mudanças por que vem passando a mais renomada premiação cinematográfica do mundo ocidental.
Vamos lá:
Neste ano, os dois filmes com maior número de indicações são Roma (2018), do mexicano Alfonso Cuarón, e A Favorita (2018), do grego Yorgos Lanthimos. Só por aí já se percebe uma mudança gigantesca no perfil premiado pela Academia ultimamente. Roma, que também concorre na categoria de melhor filme estrangeiro, representando o México, é falado em espanhol e é um filme extremamente poético, em preto e branco, de narrativa simples, sem recorrer às inúmeras possibilidades que a tecnologia atual pode propiciar. Filme lento sobre as relações humanas, sobre o amor e sobre a condição da mulher, independente da classe social a que pertença. Um lindo filme de arte, com muito mais perfil pra ganhar o Festival de Cannes ou o de Berlim. Já A Favorita, uma co-produção britânico-americana, é marcada pelo humor peculiar de Lanthimos, diretor também do fantástico (em todos os sentidos) O Lagosta (2015), que, no mínimo, se pode dizer, não caiu no gosto de tantos espectadores assim. Eu mesma o indiquei a alguns amigos que depois vinham me perguntar que filme era aquele… A Favorita, por sua vez, não tem tampouco perfil de blockbuster, apesar da estética moderna dada a esse filme épico – com imagens distorcidas pelo uso de grandes angulares, trilha sonora dissonante e monocórdica – e da forte carga de comicidade dos diálogos, que acabam por transformar o filme em uma grande sátira à Inglaterra do século 18, mostrando uma sociedade marcada pela aparência e pela hipocrisia.
Cabe então a pergunta: O que aconteceu com aquela velha Academia de Artes e Ciências Cinematográficas, sediada em Hollywood, que premiava o filme-espetáculo – conhecido também como “filmão” – grandes produções que levavam milhares de espectadores às salas de cinema? O que aconteceu com aquela premiação criticada pelos amantes do cinema de arte, que a consideravam superficial e despreocupada com a realidade? Estaria Hollywood mudando?
Analisando os últimos Óscares, me parece que, hoje, os filmes, para serem premiados, muito mais do que apresentarem inovações tecnológicas ou estéticas, devem estar implicados em alguma “causa” da atualidade, seja a questão da discriminação racial contra negros, latino-americanos, mulheres, grupo LGBT e/ou outras “minorias”, ou questões ambientais que afetam todo o planeta, ou qualquer outro tema que esteja na ordem do dia. O que certamente não é de todo mau. Ao contrário, é uma resposta positiva ao que tanto se criticou no passado sobre as premiações dadas pela Academia a filmes alienantes, de “transparência”, que distanciavam cada vez mais o espectador da realidade vivida.
No ano passado, por exemplo, em plena estupefação do mundo diante da possibilidade da construção de um muro separando México dos Estados Unidos, quem levou o prêmio foi o mexicano Guillermo del Toro com o filme A forma da água (2018). Não que o filme não fosse bom, mas estavam competindo outros filmes igualmente bons como os excelentes Três anúncios para um crime (2017), de Martin McDonagh e Corra! (2017), de Jordan Peele, sem falar dos outros competidores. Será que o fato de Del Toro ser mexicano pesou na eleição do filme para levar o prêmio maior da noite ? Para mim, sem dúvida, a resposta é sim! Da mesma maneira que no ano anterior pesou o fato de Moonlight – sob a luz do luar (2016), de Barry Jenkins, ser composto por um elenco 100% de negros, como uma forma de reparar o erro de 2017, em que não se havia premiado nenhum ator, roteirista ou diretor afro-americano. A coisa foi tão explícita que a estatueta, quase certa para o inovador La, la land (2017), de Damien Chazelle, foi tirada literalmente das mãos da equipe desse excelente musical revisitado, depois de um erro na leitura do envelope (ato falho?).
Vitória então para o cinema que faz pensar, certo? Sim. Pode ser. E isso é bom. Por um lado. Por outro, se pensarmos bem, para esse tipo de cinema sempre houve o Festival de Cannes, de Veneza, de Berlim, ou o próprio Sundance, além de tantos outros. Ou seja, já havia (e há) espaço para premiações aos filmes de arte, apesar de persistir a falta de oportunidade para sua exibição, o que é, aliás, um problema bem mais grave até do que as estatuetas distribuídas pelos tantos Festivais mundo afora e para o qual até hoje não se conseguiu encontrar uma solução.
Se todos os festivais do mundo passarem a premiar “causas”, me pergunto então que espaço sobrará para se premiar os filmes de grande bilheteria, os famosos blockbusters que arrastam (ou arrastavam) multidões às salas de cinema e que trazem as inovações tecnológicas que fazem evoluir a sétima arte? Afinal, eles também têm seu valor. Quem não tem vontade às vezes de ver um filme para se distrair, para rir ou simplesmente para ver o tempo passar? Que mal há nisso? Filme também é distração, dentre outras coisas.
Não é porque lutamos para que haja espaço para os filmes de arte, para os documentários e para as pequenas produções, que temos que execrar os filmes de grande produção. É o dinheiro gerado por eles que permite o investimento em novas tecnologias para o cinema e que faz girar a grande roda da indústria cinematográfica. Não precisamos matar um para que viva o outro. Da mesma maneira como podemos (e devemos) conviver todos – de todas as raças, sexos e classe sociais – de forma pacífica e respeitosa, os filmes, grandes e pequenos, de arte ou de diversão também podem (e devem) conviver de forma harmônica. Como La-la Land nos explicou tão bem dois anos atrás não precisamos eliminar o antigo para dar lugar ao novo. Há lugar para todos! É uma questão de adaptar-se, de renovar-se, de abrir mente e coração ao outro, ao novo, ao diferente, e, acima de tudo, é uma questão de respeito. Respeitemos os filmes de diferentes estilos, cores, gêneros, orçamentos e nacionalidades… e que venham os prêmios!