O Quarto de Jack (2015)

Título original: Room

Origem: Canadá / Irlanda

Direção: Lenny Abrahamson

Roteiro: Emma Donoghue (também autora do livro)

Com: Brie Larson, Jacob Tremblay, Sean Bridgers, Joan Allen, William H. Macy, Tom McCamus

Imagine-se vivendo em um quarto pequeno, sem janelas, durante sete anos, sem direito a sair para nada! E para piorar, servindo de escrava sexual de um homem desconhecido que aparece de vez em quando para trazer o básico para sua sobrevivência e para exigir seus “direitos”. E se esse homem lhe desse um filho? Um bebê não desejado, fruto de um ato violento, injusto e cruel, mas que vai se tornar sua maior razão de (sobre)viver.

Essa é, de forma muito simplista, o ponto de partida do filme que comentarei hoje, O Quarto de Jack, quarto da série “rumo ao Oscar”, concorrendo em quatro categorias : Melhor Filme, Melhor Diretor, Melhor Roteiro Adaptado e Melhor Atriz. room 2

Um filme sensível, às vezes duro de assistir, angustiante, bonito e emocionante!

Baseado no livro homônimo da irlandesa Emma Donoghue, que também assina o roteiro, O Quarto de Jack conta a história de Joy (a grandiosa Brie Larson), uma adolescente raptada, violentada e feita prisioneira de um desconhecido, apelidado por ela de Velho Nick (Sean Bridgers). Transformada em uma espécie de escrava sexual, a jovem acaba engravidando de seu algoz e dá à luz Jack (o encantador Jacob Tremblay).

O filme começa, então, no dia do aniversário de cinco anos do pequeno, tendo como ponto de vista narrativo o olhar do menino. Uma criança aparentemente feliz que não conhece nada além daquele pequeno quarto em que vivem, por onde só se enxerga o exterior (céu), via claraboia no teto e pela televisão, ponte entre o mundo real (Quarto) e o da fantasia (exterior). Ou seria o contrário? Para Jack, tudo o que acontece no “espaço” – como ele chama o exterior – é tão fantasioso quanto nos livros de história que sua mãe lê para ele.

Para não enlouquecerem e para tornar a vida do filho um pouco próxima do que considera “normal”, Joy cria uma rotina para os dois: Café da manhã, exercícios, hora de ver televisão, de ler, de tomar banho, etc. Atividades que acabam por dar um certo ar de normalidade e graça à vida daqueles personagens, ao ponto de, por vezes, fazerem-nos até ignorar a gravidade da situação.

E aqui, tenho que abrir parênteses para falar da atuação da dupla. A sintonia entre os dois atores é total e absurda. Tudo parece tão real e verdadeiro! Atuações equilibradas, sinceras e, por que não dizer, perfeitas, que nos comovem profundamente. A última vez que vi tamanha sintonia entre mãe e filho (ou seja, entre atriz e ator) foi no filme canadense Mommy (leia o post do dia 19/4/15), de Xavier Dolan. Não levando aqui em consideração, claro, os enredos dos dois filmes que são totalmente diferentes. Mas o que quero dizer é que o trabalho da dupla, sem desmerecer a excelente direção do irlandês Lenny Abrahamson – que soube guiar seus atores sem nunca deixa o filme cair no dramalhão – é sem sombra de dúvidas, o maior trunfo de O Quarto de Jack. O pequeno Jacob é uma joia rara, já tendo até arrebatado o Critics’ Choice Award (Best Young Actor) e a jovem Brie Larson é, não sem razão, fortíssima candidata a levar o Oscar de Melhor Atriz neste ano. Sem falar em Joan Allen, que também está excelente no papel da mãe / avó.

Com relação à estética do filme, nada de grandes novidades, porém tudo muito justo, correto, equilibrado, bem filmado e bonito. Várias tomadas em contra-plongée absoluto ou em plongée absoluto são um caminho lógico e esperado para o tipo de história narrada. A trilha, que se faz notar apenas nos momentos-chave, também foi muito bem utilizada. Silêncios intercalados por músicas em crescendo ajudam a dar um clima de tensão à situação apresentada.

Dotado de bom ritmo, pode-se dizer que O Quarto de Jack é dividido em duas partes: a do Quarto em si e a do Mundo. Na primeira, nós, espectadores, também somos confinados àquelas quatro paredes. Um cenário claustrofóbico, feio e de pouca luz mas que consegue, em alguns poucos momentos, se transformar quase em um cenário de conto de fadas à la Cinderela ou Alice no País das Maravilhas, graças ao olhar inocente e doce de Jack. Sonhamos com ele, entramos na sua fantasia de sobrevivência e chegamos até a encontrar graça e beleza naquele universo paralelo tão cruel e desumano. Pena que esses momentos durem pouco…

A segunda parte, já no Mundo, depois que os dois conseguem escapar do cativeiro, é mais ensolarada, com tomadas mais amplas (planos gerais, planos americanos, etc.), coloridas, mas, por incrível que pareça, é a mais difícil, menos harmoniosa, mais angustiante e dura de resolver. Não tendo mais que “sobreviver”, Joy agora precisa reaprender a viver. Reaprender a viver em sociedade, ao lado de outras pessoas, de gente que questiona, que se envolve, que se importa, que ama ou que não ama e que interfere. Aquele mundo paralelo, criado por ela, e de certa forma “protegido” da realidade, já não existe mais. A relação harmoniosa entre mãe e filho, sem interferência exterior (fora, obviamente, a constante ameaça na figura do Velho Nick), ficou para trás. “Ma” já não é mais a única pessoa no mundo para Jack. Assim como Jack não é mais o único ser humano que conta para Joy. As preocupações agora vão muito além da sobrevivência dela e do menino. E aí o filme surpreende, ao ganhar uma camada ainda mais profunda de reflexão.

Duas partes bem diferentes, embora igualmente densas e bem realizadas, que contrastam entre si e que se somam, levando-nos a refletir sobre uma série de questões da vida em sociedade. Um filme que não é baseado em fatos reais, mas que não deixa de contar a triste história de tantas adolescentes por aí afora e de relações complicadas vividas por várias famílias em todo o mundo.

Mais que isso, O Quarto de Jack é sensível, duro, emocionante e lindo, um conto não-de-fadas em que a fantasia ajuda a realidade a ser tornar vivível, mexendo de verdade com nossos sentimentos. Preparem o lenço!

PRA PENSAR e PRA CHORAR.

~ by Lilia Lustosa on fevereiro 18, 2016.

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