Garota Exemplar (2014)
Título original: Gone Girl
Origem: EUA
Direção: David Fincher
Roteiro: Gillian Flynn
Com: Ben Affleck, Rosamund Pike, Neil Patrick Harris, Tyler Perry, Carrie Coon
Um filme de suspense, hiperbólico, meio “forçação de barra”… mas que, com bastante ironia, faz uma bela crítica à sociedade do espetáculo em que vivemos, amarrados que estamos a tantos reality-shows, facebooks, instagrams, tweeters e demais forjadores de realidades e propagadores de informação à velocidade da luz.
Adaptado do livro de mesmo título, escrito por Gillian Flynn e publicado em 2012, o filme conta a história de um casal que celebra (ou deveria celebrar) seus cinco anos de casamento, refletindo aí sobre os votos que fizeram, o caminho que percorreram e as mudanças de comportamento, de sonhos e de expectativas que se lhes deparam no presente.
Mas nesse exato dia, Amy (Rosamund Pike), “a esposa”, desaparece em situação meio suspeita. Assim como suspeita é também a reação do marido, Nick (Ben Affleck), que do alto de sua aparente indiferença e descontentamento, resolve, desde a primeira hora do suposto desaparecimento, chamar a polícia e fazer um grande “auê” sobre o fato, espalhando cartazes, convocando a imprensa, criando um comitê para procurar a esposa desaparecida. Aliás, uma excelente crítica aos exageros e sensacionalismos tantas vezes vistos na terra do Tio Sam, berço da sociedade do espetáculo, experts em produzir fatos e eventos (logo vemos toda a cidade com bottons, camisetas, cartazes, etc).
O filme vai, então, nos conduzir por um labirinto de informações fornecidas, ora pela voz off de Amy em flashback, escrevendo em seu diário, e contando-nos, pouco a pouco, a vida dos dois pombinhos, desde quando se conheceram até o desmoronar do relacionamento. Ora pelos fatos que vão desfilando diante de nossos olhos, via o dia-a-dia de um Nick indiferente, marido infeliz, infiel, e muito, muito suspeito. Tão suspeito que nos faz desconfiar de tudo.
E é justamente aí que está a graça do filme. Tudo é muito suspeito, já que tão bem armado. E o vai-e-vem no tempo, joga com nossa mente, fazendo-nos mudar de ideia a cada nova informação. Quem é o verdadeiro vilão? Existe “um” vilão nesta história? O que é armação e o que é realidade?
Para contribuir com todo esse clima de simulacro – e para confundir ainda mais nossas cabeças -, há o nada desprezível fato de Amy ser também a personagem principal de uma série de livros infantis, criada por seus pais quando de sua infância. “Amazing Amy” é uma personagem encantadora, corajosa, linda, feliz, perfeita. Fruto de uma infância e adolescência pintadas com cores de arco-íris pelos pais da Amy de carne e osso. Uma vida inventada, idealizada e distante da realidade vivida pela jovem. Espécie de avatar da verdadeira Amy.
Diretor dos excelentes Seven (1995), O Curioso Caso de Benjamin Button (2008), A Rede Social (2010) e de Millenium: Os homens que não amavam as mulheres (2012), entre outros, David Fincher sabe o que faz, e já está habituado a manipular nossa mente e nossas emoções.
Garota exemplar não tem o impacto de Seven, nem a originalidade de Benjamin Button, tampouco os requintes de crueldade de Millenium. É uma obra hiperbólica, meio forçada, a meio caminho entre o real e o forjado. Mas, além de condensar a experiência acumulada ao longo de todos esses anos de trabalho (filmes) de Fincher, surpreende ao fazer-nos refletir sobre até que ponto o modo como vivemos é de fato reflexo de quem somos ou apenas uma idealização do que gostaríamos de ser.
Talvez um pouco mais longo do que deveria, Garota exemplar é, no entanto, sem dúvida, um bom divertimento, além de, uma ótima sátira de nossa triste sociedade do espetáculo.
Um filme PRA SE DISTRAIR e PRA PENSAR.
Gostei de assistir e – interessante! – saí do cinema com sensação de que, talvez 10 minutos e alguns fotogramas a menos, possibilitassem ao Fincher não nos dar trégua!…rs. Mas, de toda forma, hipérboles à parte, ficou valendo! Penso que talvez a maior contribuição seja, de fato, a reflexão sobre o preço que se paga por “hiperbolizar” a utilização das máscaras sociais. Ah,… e adorei seu “olhar”!!
Mariangela said this on outubro 12, 2014 at 12:05 |
Querida “Tia(a)mada”, adorei seu comentário, o seu olhar e sua passada por aqui! Seja bem-vinda e venha mais vezes! Obrigada pelo carinho de sempre! Lilia
Lilia Lustosa said this on outubro 12, 2014 at 13:14 |
Ontem fui ver o filme e achei muito bom.
Mesmo com as 2h e meia, não achei longo. Confesso que nem vi o tempo passar…
Coincidência é o fato da Globo, ontem mesmo, ter passado Millenium… Deu para comparar e perceber a linha do mestre: a amarração da história bem contada.
Curiosidade: em que sentido você achou “Garota…” meio forçada ?
Ótimo resenha. Adorei !!!
Andréa Assis said this on outubro 12, 2014 at 16:39 |
Oi, Andréa, que bom ler seu comentário. Você é sempre muito precisa e sensata. Adoro ler o que você escreve. Adoraria discutir pessoalmente com você vários filmes! O que achei forçado? A reação bombástica de Nick já chamar a polícia e armar o maior escarcéu logo nas primeiras horas do sumiço da mulher, por exemplo. A estratégia amadora de Amy, meticulosamente articulada e ninguém da polícia conseguindo desvendar; o crime cometido por ela e não investigado por ninguém… enfim, vários pontos que fazem parte da estratégia (ou escolha) narrativa deste filme, que explora intencionalmente o exagero, e que só fazem sentido no final da história. Beijos
Lilia Lustosa said this on outubro 12, 2014 at 19:29 |