Deux jours, une nuit (2014)
Título original: Deux jours, une nuit
Origem: Bélgica / Itália / França
Diretor: Irmãos Dardenne (Jean-Pierre e Luc)
Roteiro: Irmãos Dardenne
Com: Marion Cotillard, Fabrizio Rongione, Catherine Salée, Baptiste Sornin
Em uma Europa mergulhada em séria crise financeira, abrir mão de um bônus de 1000 euros não é decisão fácil. Mesmo que isto implique na não-demissão de uma colega de trabalho.
Concorrendo à Palma de Ouro em Cannes, o novo filme dos Irmãos Dardenne joga justamente no ar (e, de certa forma, na nossa cara), de maneira simples, comovente, realista e não moralista, a seguinte pergunta: Se você fizesse parte de uma classe operária, vivesse uma situação financeira complicada – dívidas a pagar, uma única renda na família, fizesse bicos para sobreviver, etc. – você seria capaz de abrir mão de um dinheiro extra no fim do mês para, assim, salvar o emprego de um colega?
O filme se passa na Bélgica – terra dos irmãos-diretores – e conta a história de Sandra (Marion Cotillard), mulher casada, mãe de duas crianças, recém saída de uma crise de depressão, período este em que esteve afastada de seu trabalho em uma pequena empresa de placas de energia solar. Às vésperas de voltar à ativa, ela fica sabendo, por meio de uma colega, que estaria sendo demitida após votação feita entre os 16 funcionários da empresa, em que estes tiveram que escolher entre a demissão da colega depressiva e um bônus de 1000 euros no fim do mês.
A frase pode ter soado cruel aos seus ouvidos, ou rude aos seus olhos, mas é justamente esse sentimento que o filme provoca. Como é que os dirigentes de uma empresa têm a coragem de colocar seus funcionários – gente simples, que rala para sobreviver dignamente – numa sinuca de bico dessas, jogando em suas mãos a responsabilidade de uma decisão de tamanha envergadura? Ainda mais quando todos sabem que ela precisa tanto daquele emprego como qualquer um deles.
Diante de uma nova votação dali a dois dias, pleiteada pela mesma amiga que a informou sobre a demissão, e incentivada pelo seu marido e grande companheiro Manu (Fabrizio Rongione), Sandra vai iniciar assim o seu périplo em busca da salvação. Ela tem exatamente dois dias, uma noite (e uma depressão) para vencer, convencendo seus colegas (pelo menos a metade + 1) a mudarem o voto. Assim, juntando todas as forças que não tem, ela vai batendo de porta em porta, mendigando por sua manutenção. O pior é que ela tem total consciência do que representam aqueles 1000 euros para cada um deles!
Deux jours, une nuit é uma verdadeira montanha russa de emoções, que tem como fio condutor os altos e baixos da própria protagonista, mulher forte e frágil ao mesmo tempo; bonita e feia, dependendo do angulo; pequena ou grande, de acordo com a situação; personagem humana, real, como qualquer um de nós. Filme ensolarado – mesmo que todo rodado em uma Bélgica normalmente não tão exuberante de sol – de estética simples, naturalista, quase feia (lembro aqui da famosa Estética da Fome de Glauber Rocha), mas que tem a grande beleza de não julgar. De não colocar cada personagem em uma categoria, de não nos fazer odiar aqueles que, à força da necessidade, optam pelo bônus. De não ser maniqueísta, tendencioso, mascarado, mas apenas honesto, real, limpo.
Filmado com uma câmera inquieta (na mão), que segue bem de perto a personagem, e seguindo uma tendência naturalista, a música é praticamente ausente do filme, os sons da rua e da vida constituindo sua verdadeira trilha sonora. No entanto há dois momentos bem pontuais, em duas cenas dentro do carro, em que a letra das canções ouvidas no rádio se encaixam perfeitamente à situação vivida por Sandra, atuando quase que como sua fala. Uma fala entalada que precisa de ajuda para sair de dentro da garganta e dos pulmões.
Antes de concluir é preciso dizer que Marion Cotillard – que concorre, aliás, ao prêmio de melhor atriz em Cannes – está absolutamente divina neste papel, mostrando ao mundo inteiro que nem só de grandes produções vive uma estrela. Em uma atuação precisa, que combina com maestria a fragilidade de uma pessoa que sofre de depressão e a força de uma mulher-mãe consciente da necessidade de continuar lutando, Cotillard arrasa. De cara limpa, cabelos desgrenhados, jeans e camisetinha regata, ela é gigante, encantando-nos, entristece-nos, emudecendo-nos… Ficamos, do lado de cá da tela torcendo pelo seu sucesso, tentando enviar-lhe nossa força, nossa coragem, empurrando-a para que consiga dar mais um passo, para que consiga se erguer a cada tombo, que se regale com suas conquistas, que não desista nunca. (Não consigo deixar de pensar em Nemo (2003) e no seu tão marcante “Continue a nadar, continua a nadar!”)
Um filme PRA PENSAR.
muito legal! realmente o filme é bem cru, mas na dose certa.
Uma historia que incomoda e que nos faz pensar: serà que eu teria coragem de bater de porta em porta?
Marion me surpreendeu, atuaçao tranquila e sem clichés.
Um filme simples e bacana!
abs e parabéns pelo blog, sempre venho colher dicas por aqui! 😉
maria fernanda said this on outubro 28, 2014 at 22:51 |