Cherchez Hortense (2012)
Título original: Cherchez Hortense
Origem: França
Diretor: Pascal Bonitzer
Com: Jean-Pierre Bacri, Kristin Scott Thomas, Claude Rich, Isabelle Carré
Uma comédia filosófica… como boa comédia francesa que é !
Os filmes franceses têm o dom de “colocar o dedo na ferida” de uma maneira tão formidável que me impressiono sempre! Não importa o gênero. Pode ser drama, suspense, animação, comédia, qualquer coisa. O filme francês tem sempre aquele algo mais. Aquela vontade de falar um pouco mais do que o que já está sendo dito (ou exibido). E, na verdade, eles falam muito mesmo… Quanto diálogo, quanta discussão, quanta filosofia é jogada ao vento nos filmes franceses! Mas quanta coisa boa também pode dali ser pescada! Quanto material para reflexão nos é ali ofertado!
Cherchez Hortense não foge a esta regra. Trata-se sim de uma comédia. E, certamente, o filme nos faz rir em vários momentos. Rir das situações hilárias, curiosas, desconcertantes por que passam os personagens, mas sobretudo, rir da nossa condição humana. Rir de ver na tela do cinema, transformadas em comédia, cenas que presenciamos, muitas vezes, em nossos próprios lares, na vidinha nossa de cada dia.
A acuidade com que Pascal Bonitzer transpõe para a tela as angústias, dúvidas e incertezas de um casal que está junto há muito tempo, pais de um filho pré-adolescente rebelde, explodindo em hormônios e em indiferença, é realmente incrível! Ou ainda, a habilidade que ele demonstra ao retratar uma imigrante clandestina que vive na “ilegalidade” desde pequena e que já aprendeu a viver e conviver com o medo e a angústia de ser deportada a qualquer momento! Sem falar na sutileza da descrição de relação super complicada e nunca resolvida entre pai e filho, tudo isso é fantástico! E já vale a ida ao cinema!
Cherchez Hortense fala de tudo isso.
A história se passa em Paris de hoje, onde Damien (Jean-Pierre Bacri), um homem absolutamente ordinário, é professor de civilização chinesa, casado com uma diretora de teatro, Iva, interpretada por Kristin Scott Thomas, que, aliás, está esbanjando talento com seu francês impecável.
Vale aqui um parêntese: a atriz britânica veio morar na França ainda bem jovem, onde estudou teatro em Paris e acabou casando-se com o médico francês François Olivennes, com quem teve três filhos.
De volta ao filme:
O casal vive uma fase morna do relacionamento, época em que um já não vê mais graça no outro, nem consegue achar tempo um para o outro. Situação esta que é percebida, vivida e sofrida pelo filho pré-adolescente Noé (Marin Orcan Tourres). Um jovem meio esquisito, que não mede esforços para deixar bem claro sua condição de infeliz e abandonado.
Assim, sem saber bem como sair desta situação, Iva se joga cada vez mais no seu trabalho de diretora de teatro, deixando-se envolver por situações emocionalmente perigosas. Damien, sem muita empolgação para nada, continua tocando sua vidinha medíocre sem se questionar quanto à felicidade. Aliás esse questionamento é tema de uma conversa que ele tem com um amigo que está à beira de um de suicídio e que é absolutamente excelente.
Tudo vai então caminhando mornamente, quando Iva pede ao marido para que interceda junto a seu pai, Sébastien Hauer (Claude Rich) presidente do “Conseil d’État” francês, a fim de evitar a deportação de uma conhecida de sua futura cunhada, a sérvia Zorica (Isabelle Carrée), que acaba de se separar de um marido francês.
O problema é que Damien tem um péssimo relacionamento com o pai, membro da alta burguesia, pessoa extremamente egocêntrica que nunca tem tempo nem vontade de ver o filho.
A história vai então se desenvolver em torno do pedido que uma mulher faz a seu amado. Na realidade, uma prova de amor ou, mais precisamente, uma pista para ver se ainda vale a pena continuar. Sim, pois, na verdade, Iva mal conhece a moça sérvia. E não está assim tão interessada no assunto. O que ela quer mesmo é ver até onde seu companheiro é capaz de ir por ela. Será ele capaz de enfrentar seu pai para atender a um pedido dela? Será que vale lutar por este relacionamento, por esta suposta felicidade?
Mas este pedido vai ser também o fio condutor da história e conector de vários mundos. Do mundo burguês, elitizado, composto pelo pai de Damien e de toda sua entourage – no Conseil d’État – e do mundo simples e popular, onde vivem Zorica, a imigrante que lava pratos em um restaurante. Ou ainda sua irmã, cabeleireira no mesmo bairro. A cena, aliás, do começo do filme, em que ele espia, do alto da janela do Palácio, a imigrante conversando com seu (ex) marido, na praça, lá embaixo, em meio ao povo, é um bom exemplo destes dois mundos, tão próximos e tão distantes.
Esteticamente, o filme não apresenta nenhuma novidade, nem nada que chame muito a atenção. O bom mesmo aqui são as atuações, os diálogos, as situações, por vezes aparentemente absurdas, mas tão bem representativas da realidade. Da vida como ela é.
Cherchez Hortense é um filme que nos faz pensar enquanto rimos. Ou que nos faz rir enquanto pensamos. Um filme simples e ao mesmo tempo, complexo. Assim como é a vida. Assim como nós somos.
PS. Quem é Hortense? Veja o filme e descubra você mesmo.
Um filme PRA SE DISTRAIR e PRA PENSAR.