El Patrón – Radiografía de un Crimen
Título original: El Patrón – Radiografía de un Crimen
Origem: Argentina, Venezuela
Direção: Sebastián Schindel
Roteiro: Sebastián Schindel, Nicolás Batlle, Javier Olivera, Elías Neuman (livro)
Com: Joaquin Furriel, Luis Ziembrowski, Mónica Lairana, Germán de Silva, Guillermo Pfening, Andrea Garrote
Hoje vamos de filme argentino de novo!
Desta vez um filme recente, lançado em circuito comercial no início deste ano. Não um tão grande sucesso comercial como Relatos Selvagens (leia o post do dia 23/1/15), mil vezes aclamado e alardeado por toda a imprensa do mundo, mas um filme que chegou tímido, sem fazer grandes alardes, e que vem conquistando pouco a pouco os espectadores que têm o privilégio de lhe assistir.
El Patrón – Radiografía de un crimen é um filme que conta a história de um crime cometido por um homem simples, pacato, de alma pura. Um ser humano que depois de tantos anos de humilhação, submissão e desencanto, perde seu controle (não tão assim sem relação com Relatos Selvagens…).
Não se trata, naturalmente, de um filme de fácil digestão, já que o prato principal do cardápio é “carne podre”. Carne podre e mesmo assim vendida à população em açougues portenhos. Carne podre de gente de alma estragada, cruel, capaz de explorar ao máximo um cidadão humilde, semi-analfabeto, rotulado desde pequeno de “inapto” pelo Estado Argentino. Aliás “cidadão” é um termo aqui totalmente mal empregado, já que ao protagonista desta história nunca foi apresentada a tal da “cidadania”. Um homem do campo a quem foram negadas as letras, a dignidade, e a quem, desde cedo, foi imposto o conformismo e a aceitação de sua condição de incapaz.
Mas o que torna tudo ainda mais podre é que El Patrón conta uma história real, registrada de forma magistral em livro homônimo – escrito por Elías Neuman, o próprio advogado que defendeu o caso – e levado à telona pelo olhar de Sebastián Schindel, diretor de documentários, estreante no mundo da ficção (ficção?).
Foram doze anos de muito trabalho, entre pesquisas sobre a escravidão moderna na Argentina e em outros países da América Latina, testemunhos, conversas com o advogado/autor do livro, “passeios” pelos açougues do país, viagens a Santiago del Estero, escolha dos atores, até chegar ao roteiro e depois à realização do filme.
El Patrón abre com uma sequência do advogado entrando no Tribunal para resolver pendências e dando de cara com Hermógenes Saldívar (brilhantemente interpretado por Joaquin Furriel), um homem simples de Santiago del Estero – província situada ao norte do país -, acusado de haver assassinado seu patrão, dono de uma rede de açougues em Buenos Aires. No entanto, nesta cena em que aparece pela primeira vez, seu rosto mal pode ser visto, escondido no canto direito da tela, à contra-luz, o foco ficando sobre a Juíza. Composição bem feita e sintomática da situação em que vive o “criminoso” ali naquele momento: a luz na detentora do conhecimento, da “verdade” e da lei, enquanto a sombra paira no detentor da culpa, da ignorância e do pecado.
No entanto, é a juíza, inconformada com o descaso do Defensor Público que deveria atuar no caso de Hermógenes, que pede para o advogado assumir a defesa do réu em troca de um outro pedido feito por ele (troca de favores).
A partir daí o caso vai ser reconstituído por meio de diversos flashbacks, em que vamos vendo e entendendo pouco a pouco o que levou Hermógenes a perder o controle.
Schindel, talvez influenciado pelo mestre Eisenstein, filmou muitas cenas de « pedaços », compondo-as de forma a nos causar certo asco, ou choque, para ficar dentro da linguagem do cineasta russo. Pedaços de carnes sendo manipuladas por mãos sem rostos nem corpos. Pedaços de carnes sendo cortadas, dilaceradas por mãos sem dono. Ou por um dono sem identidade. Gado. Um dono qualquer cujo nome vai ser roubado, assim como serão roubados seus documentos e sua dignidade. Carne de vaca, carne de homem. Homem sem rosto, sem voz. Faca de crime. Crime sem faca.
Uma pena que o filme não se aprofunde muito no aspecto emocional de Hermógenes e dos demais personagens. Poderia ser ainda muito mais rico. Talvez uma escolha feita por falta de tempo, de verba ou simplesmente por respeitar o livro em que se baseou.
El Patrón é tenso, triste, revoltante, bem feito e, acima de tudo, é um filme que denuncia a situação indecente em que vivem tantos trabalhadores na Argentina e em diversas partes do mundo. Uma obra que traz à tona o assunto que muitos não querem ver: o mundo não está livre da escravidão. Ela apenas está, hoje, mascarada sob outras formas de exploração do trabalhador.
Que a história de Hermógenes transformada em livro e em filme nos sirva não apenas como um “entretenimento”, mas que seja capaz de abrir nossos olhos para enxergar a situação precária e desumana que persiste em nossos tempos, em nossas sociedades ditas “desenvolvidas”.
Não sem interesse é o fato de que a história se passa dentro dos açougues da Argentina, tendo como grande vedete a queridinha dos argentinos (e dos turistas que vêm por aqui): a carne. É preciso abrirmos os olhos e ficarmos atentos. Ou como dizem por aqui: ¡Ojo!
Um filme PRA SE ANGUSTIAR, PRA APRENDER e PRA SE INDIGNAR (nova categoria).