Amour (2012) – Ganhador da Palma de Ouro em Cannes
Origem: França / Alemanha / Áustria
Diretor: Michael Haneke
Roteiro: Michael Haneke
Com: Jean-Louis Trintignant, Emmanuelle Riva, Isabelle Hupert
O ganhador da Palma de Ouro em Cannes deste ano é absolutamente sublime! Sublime, no melhor sentido kantiano do termo, já que nos coloca diante da beleza e da feiura de envelhecer ao lado de quem se ama, despertando-nos, ao mesmo tempo, o medo e o encantamento!
Encantamento, ao vermos o respeito, a solidariedade, o companheirismo e o amor de um homem e de uma mulher que já viveram tanto tempo e tantas coisas juntos. Medo, ao vermos a deterioração de seus corpos e de suas mentes. Medo, ao percebermos sua consciente impotência diante da situação vivida. E mais medo ainda ao nos projetarmos neste cenário que pode ser nosso futuro próximo ou distante. Ou ainda o presente de alguém que nos é bem próximo.
Amour já começa por uma sequência que é um choque, com policiais invadindo um apartamento que exala um odor forte e desagradável, para lá descobrirem um corpo já deteriorado de mulher sobre a cama, contornado de flores.
Dali, em um longo flash-back o filme vai, então, contar a história de Anne (Emmanuelle Riva) e de George (Jean-Louis Trintignant) um casal de músicos aposentados, na casa dos 80, que vive lentamente seu dia-a-dia, numa relação não-perfeita (como a vida é) de companheirismo e de respeito. A atuação dos dois artistas, aliás, é um show à parte!
Vale ressaltar também aqui, a forma original como o diretor nos apresenta aos protagonistas. Depois da sequência do início, vemos, em plano fixo, um grupo de espectadores – assim como nós – sentados em cadeiras de teatro. É como se houvesse um espelho bem à nossa frente. Talvez um alerta para que entendamos que esta história pode ser a de qualquer um de nós. A cena é longa o suficiente para podermos observar atentamente várias daquelas pessoas ali sentadas. Umas tossem, outras se mexem, algumas cochicham, até que, numa espécie de “Onde está Wally”, descobrimos Anne e George. E, então, mais uma surpresa: o espetáculo começa e… Melhor não contar o resto!
Tudo segue, assim, mais ou menos como manda a cartilha, com cenas dos cafés e almoços do casal, do cuidado com a troca dos sapatos ao entrar em casa, das noites dormidas e mal dormidas um ao lado do outro, até o infeliz dia em que Anne sofre um AVC. Momento importante do filme marcado por uma sequência de carga emocional forte. Dali, Anne será submetida a uma cirurgia não muito bem sucedida, que a deixará com metade do corpo paralisado. George resolve, então, sozinho se ocupar de sua companheira de toda a vida, e ela lhe faz prometer-lhe nunca mais leva-la de volta a um hospital.
A partir daí vamos vendo aquele ambiente de companheirismo e de respeito do início ir, pouco a pouco, se tornando mais pesado e mais difícil de continuar a suportar. Anne sofre por saber que seu caminho é uma ladeira sem fim. Ela se angustia, se revolta, pede a morte. George sofre por sua impotência diante do sofrimento da mulher. Ele tenta fazer tudo que está a seu alcance. Empenha-se de corpo e alma, e é de uma dedicação e de uma fidelidade absurdas. Mas ele cansa, ele perde a paciência às vezes, ele se mostra forte e fraco. Bom e mau. Ele é “um monstro gentil”, como Anne mesmo o define. Ele é humano. E nós, espectadores, sofremos junto com eles, acompanhando cada detalhe nada esplendoroso de seu dia-a-dia. Primeiro são ajudas para se locomover, para fazer a comida. Depois, vêm as fraldas, o cuidado para evitar escaras, a ajuda para o banho, para pentear os cabelos, para comer, beber, para falar, para tudo. Viver se torna um fardo imenso! E um fardo compartilhado!
Michael Haneke – já ganhador da Palma de Ouro em 2009 por Fita Branca (crítica no post de 16/1/12 ) – é um diretor que certamente não gosta de esconder sentimentos nem sofrimentos. Ele, ao contrário, parece gostar de tocar na ferida, de colocar o espectador cara a cara com a realidade nua e crua, mostrando seu lado feio sem receio de agredir a quem quer que seja. Aqui e ali, no entanto, ele parece sentir piedade dos espectadores e presenteia-nos, então, com imagens de grande humanismo, o que nos permite tomar fôlego e prosseguir.
O filme – que conta a história de dois músicos – paradoxalmente quase não tem música. Apenas na hora do concerto ou quando ouvem um ex-aluno tocar piano ao vivo ou em seu CD recém-gravado. Os ruídos são sua verdadeira trilha sonora. A respiração é de importância vital no filme (como na vida, claro!). Assim como a água que corre na pia na hora em que Anne tem sua primeira crise e que também é sinônimo de vida e de tempo que passa.
Apesar de o filme se passar quase todo dentro do apartamento do casal e de ter um ritmo bem lento, Amour não nos cansa, não nos sufoca, não nos oprime. Ele nos faz chorar, por certo. Mas ele também nos faz sorrir, ele nos faz sonhar e nos faz querer viver um amor assim tão grande, capaz de se doar por inteiro, sem perder, no entanto, sua individualidade.
Um filme PRA CHORAR e PRA SE ENCANTAR.